quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O frasco do soro

… não fosse faltar o rolo da carne. Leram bem, sim, não é preciso voltar atrás. Provavelmente nem todos apreciam, mas rolo de carne é um prato óptimo porque, além de ser apetitoso, é facílimo de cozinhar, põe-se no forno e já está. O que daria um jeitão enorme aqui, dado que a minha cozinha não tem exaustor nem chaminé nem nada dessa família e, assim sendo, os cheiros não saem a não ser que se cozinhe de janela aberta. O que numa terra onde sistematicamente está frio – disso já há e muito, para dar e vender –, não é grande opção. Por isso, o forno rapidamente se tornou num dos meus melhores amigos e, até prova em contrário, tudo o que se lá cozinhe é bom. Mas rolo de carne, que também é bom, viste-o. Nem no talho, nem no supermercado nem em parte alguma. Acresce que eu não sabia como lhe chamar em Francês, por isso mesmo que quisesse pedir não chegaria lá. Pelo que resolvi novamente pedir ajuda às minhas prestáveis colegas, que cozinham habitualmente e, assim sendo, saberiam ajudar-me. Porém, desta vez o resultado foi diferente. O desastre começou por eu insistir que «rolo de carne» se dizia em Inglês «meat roll», ao que a minha colega irlandesa, a protagonista da história da boda, me responde: «É assim: por mais que eu te queira ajudar, não consigo, porque eu nem sequer percebo do que é que estás a falar!». Seguiram-se explicações, desenhos, descrições, mas nada. A páginas tantas, fiz uma pesquisa aturada na Internet, da qual resultou não só uma fotografia como também a certeza de que, efectivamente, o termo inglês é «meat roll». Aliás, uma das versões mais conhecidas é o rolo de carne à americana, que é recheado com legumes. Contudo, mesmo com a fotografia na frente, multiplicaram-se as hesitações: «Talvez “pan de viande”… não, espera, tenta antes “roulet de viande”… Ou melhor, “roulade de viande”, talvez assim. Pede no talho.» Mas… «sinceramente, nunca vi tal coisa à venda, duvido que encontres». Duvidava mas estava certa, não encontrei.
O que me consola é saber que não sou o único a sentir a falta de coisas tão básicas. No outro dia, estava a falar com uma amiga italiana que conheci cá e que me perguntava se em Portugal se vendiam aquelas bolinhas de cheiro para matar as traças. «Olha, claro que sim». «Pois, em Itália também. Aqui não.» Aqui não?? Como assim? «Sim, eu já corri tudo, até já procurei em lojas de limpeza a seco e não vendem. Dizem que faz mal à saúde e por isso não vendem.» «Mas estás a falar de uns pacotes que se põem nos roupeiros?» «Pois, esses mesmo!». Adiante…
Agora pergunta-me vocês: e o frasco do soro do título, que é que tem a ver com isto? Tudo! Todos os meus amigos que usam lentes de contacto, e não são assim tão poucos, sabem que depois de tirar as lentes se deve colocar soro para os olhos não ficarem secos. Ocorre que, há poucos dias, me dei conta de que o meu frasquinho estava na iminência de ultrapassar o prazo de validade. Lixo com ele e compra-se outro, pensei eu. Fui ao supermercado – onde como já perceberam são mais as coisas que faltam do que as que existem - e nada. Vou a outro. Idem. Pronto, desisto, vou à farmácia e acaba-se já com isto. Mas aí é que a porca torce o rabo. Lá pedi soro no meu melhor Francês, mas o senhor pergunta de imediato: «Para pôr nos olhos? Soro?» «Pois, eu uso lentes de contacto e quando as tiro ponho um bocado de soro». «Não é no nariz?», pergunta-me ele muito alarmado. «Pode ser, cada um põe onde quer, mas eu preciso dele para pôr nos olhos.» Dito isto, apresenta-me um frasco de vidro aparentado aos do álcool. «Não, não é isto, isto não dá para pôr nos olhos.» Entretanto, a conversa passou para Inglês, que já era disparate a mais para o meu fraco Francês aguentar. «É isto mas num frasco daqueles que deitam gotas.» «Ah, uma solução para os olhos… lágrimas artificiais!» «Não, não são lágrimas artificiais, se eu quisesse lágrimas artificiais, tinha-as pedido. O que eu quero é um frasco com soro fisiológico». Qual é a palavra que não percebeste? É preciso eu soletrar? «Só se quiser esta solução». «Mas isso faz o mesmo?», pergunto eu quase em desepero. «Claro, e pode pôr com ou sem lentes!» Ora que extraordinário! Mas nesta altura eu já estou por tudo. «Pronto, eu levo a solução». «São 9 euros e meio». São o quê?? Enlouqueceu? Ou está-me a querer enlouquecer a mim? Nove euros por um frasco que na minha terra nem um euro custa? «Se calhar não percebeu o que eu quero. É que em Portugal o soro vende-se nuns frascos pequenos e custa menos de um euro, está a ver?» Provavelmente não. Deve ter lentes de contacto e estão embaciadas. «Ah, já ouvi dizer que noutros países é muito barato, mas aqui não temos. Só se quiser a solução». Ó meu amigo, eu quero um frasco de soro fisiológico, não uma barragem no deserto do Sahara! Será que é pedir muito? Chegado a este ponto, não aguentei mais. A insanidade era demasiada para a minha pobre cabeça. Paguei os nove euros e meio e bazei. Quando saí, foi com alguma dúvida que olhei em redor. Depois acalmei-me… afinal ainda estava na Europa.
E com estas aventuras me despeço por este ano. A Força do Destino deseja a todos os leitores um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo. Marcamos encontro em 2009! Onde quer que o destino vos leve no novo ano… façam o favor de visitar o meu blogue!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A aldeia da roupa branca

A Força do Destino já entrou em pleno na quadra festiva e toda ela se encheu de espírito natalício. Ao vosso lado esquerdo, a estupenda Mariah Carey canta uma melodia que eu dedico a todos os amigos leitores deste blogue: «All I Want for Christmas Is You». Logo por baixo, podem cantar com o Frank Sinatra o «Let It Snow», uma canção que não poderia ser mais apropriada para a ocasião, dado que me encontro ainda nesta cidade onde efectivamente neva a sério. E para acompanhar esta banda já tão animada, resolvi convidar o Michael Bolton para cantar o «White Christmas». Querem lá ver que ele aceitou mesmo e está em directo na Força do Destino? É que eu não quero mesmo que vos falte nada, por isso há mais…
Mas isso verão daqui a pouco. Entretanto, aproveito para vos contar mais umas cenas maradas destas que só acontecem na Bélgica, presumo que… não apenas comigo! Como certamente já se deram conta através de mensagens anteriores, muitas coisas aqui pura e simplesmente não existem. É o caso do centro comercial, de que já vos contei. Ou dos multibancos, como também já partilhei convosco. Parece muito? Desenganem-se! Exclusivamente para esta mensagem, eu compilei todo um rol de coisas absolutamente fundamentais que, pela minha experiência e pelos relatos de amigos, descobri que não há.
Calhou um destes dias aperceber-me de que alguns panos da louça estão a ficar encardidos. Não sei se estão bem a ver a coisa, sobretudo os meus amigos que não têm de lavar roupa. Eu explico: ocorre que por mais que se lave os ditos, eles estão sempre escurecidos. E o que se faz nesta situação? Põe-se os panos de molho em lixívia, verdade? Ocorre que eles são coloridos. Resolve-se já: põe-se em lixívia gentil, mais conhecida pela marca que a introduziu em Portugal e que aqui não refiro a menos que paguem! Até aqui estamos entendidos. O problema surge quando este vosso amigo procura a dita cuja no supermercado e não dá com ela. Vai a outro e depara-se-lhe o mesmo cenário. Vai a um terceiro e é a mesma cena. Posto isto, resolve esclarecer a questão com duas colegas habituadas à vida na Bélgica: «Queres o quê? Para pôr na roupa? Assim de repente, não estou a ver…» nem de repente nem com vagar, porque a tal lixívia aqui não existe… Felizmente, uma das ditas colegas pôs termo ao problema de imediato: «O meu marido trabalha numa empresa de detergentes e sempre que os miúdos sujam alguma coisa, é ele que me diz que detergente devo usar. Vou-lhe perguntar.». Dito e feito. Dois dias depois, estava-me a trazer um pacote de pó branco que lá remediou o caso.
Falando de roupa, que é daquelas coisas inevitáveis como os impostos, há outro artigo particularmente útil quando se trata de lavar roupa na máquina. Isto aplica-se particularmente aos homens, porque geralmente deixamos os colarinhos das camisas claras um bocadinho escuros. Nesses casos – este blogue agora está-se a tornar uma espécie de revista «Maria» –, borrifa-se a camisa com spray, enfia-se na máquina e ficamos todos felizes e contentes. Mas não aqui. Obviamente cá não se vende spray para tal efeito, o máximo que se arranja é a Wipp, um tubo com esponja na ponta que se esfrega abundantemente em colarinhos e afins e – este sim – faz as mesmas vezes do outro. Assim sendo, estaria tudo bem novamente não fosse faltar… continamos na próxima mensagem!
Entretanto, deixo-vos um pequeno filme com as decorações de Natal em Bruxelas. O filme é de produção doméstica, como imaginam, mas as decorações são particularmente bonitas. Toda a cidade está enfeitada. Nem a minha zona escapou!

domingo, 23 de novembro de 2008

O taxista, os cartões e… o pão!

Ao ler este título, perguntam vocês e com razão se me inspirei no filme A Vida, o Amor e as Vacas, onde nada do que consta no título tem a ver com nada, mas ninguém quis saber e assim intitularam o filme. Neste caso, verão que tudo o que figura no título desta mensagem está interligado por um fio condutor: a Bélgica que eu vou dando a conhecer.
Os taxistas, que provavelmente não lêem o meu blogue, têm geralmente reputação de pessoas pouco simpáticas, mas ocasiões há em que este lugar-comum ultrapassa qualquer limite. Estava eu a sair do aeroporto de Bruxelas, exaurido pelo nocturno voo que me transportou de Lisboa, quando tento entrar num táxi. E digo «tento», porque na realidade o taxista me recusou ou, como diríamos no meu trabalho, me reencaminhou para o táxi mais adequado. Parece que o meu bairro era demasiado longe para o senhor. Ao longo da viagem, vou dando algumas indicações ao condutor, pois habitualmente perguntam-me que caminho devem seguir e onde exactamente é a rua. Subitamente, ao aproximarmo-nos da minha zona, o senhor exclama rudemente: «Eu faço isto há 32 anos, não preciso que me dê indicações!» Apesar da estupefacção que se apodera de mim, eu lá peço desculpa e explico que muitos colegas me perguntam indicações. «Mas eu não perguntei, pois não? E o senhor vem a dar-me indicações desde o aeroporto e eu não preciso delas para nada!». Livra, que é malcriado! Está uma pessoa a pagar para nos transportarem, dá-se ao trabalho de ajudar e é esta a paga. Nem dois minutos depois, estava-me a perguntar onde era a minha rua… Que bela impressão para quem acaba de chegar a um país, sinceramente… O que vale é que as malas chegam ao tapete do aeroporto primeiro do que os passageiros, ao contrário de Lisboa, onde aterrei naquele terminal novo dos voos domésticos – onde é que esta gente tem a cabeça?? - aguardei horas para as portas abrirem, mais horas para nos levarem ao aeroporto propriamente dito e ainda mais para chegarem as malas!
Quando cheguei a Lisboa, esperava por mim um novíssimo cartão bancário, o tal que o multibanco conspirador me comeu. Foi com enorme surpresa que descobri que agora estes cartões têm um chip para maior segurança! É que aqui na Bélgica, onde os multibancos não abundam, os bancos devem imenso à eficiência (e agora também ao Estado) e os serviços são tudo menos exemplares, mesmo os cartões mais simples já têm chip há muito tempo…
Mas a mais inesperada das coisas positivas que descobri ao regressar a Bruxelas não tem nada a ver com bancos nem taxistas. Tem a ver com algo do domínio prático muito mais essencial à vida: o pão. Não se enganaram, meus amigos, leram mesmo «o pão». E a que propósito se fala aqui de pão? Pois tinha eu acabado de entrar no meu apartamento e tirado o casaco quando me ocorre que não tenho pão para o pequeno-almoço do dia seguinte. Paciência, come-se na rua, que é que se há-de fazer às tantas da noite? Eis senão quando me lembro de ter deixado algumas fatias no armário. Lá vou indagar do estado das ditas cujas, na convicção absoluta de que estarão bolorentas ou, no mínimo, rijas que nem pedra. Abro o saco de papel e – surpresa das surpresas – o pão, que tinha sido comprado há semana e meia, estava óptimo e pronto a ser comido. Quem diria?
Hoje nevou todo o dia aqui em Bruxelas, deixando os carros e os passeios cobertos de branco. Espreitem o vídeo que filmei, está do lado esquerdo. Agora não há margem para dúvidas!
Boa semana!

sábado, 22 de novembro de 2008

Notícias do Pólo Norte

Prezados amigos, venho por este meio informar que a Força do Destino se transferiu de armas e bagagens para o Pólo Norte, de onde vos escrevo esta mensagem. Neste local ermo do nosso planeta, a temperatura é de um grau positivo, mas, como diz o tal sítio inteligente da Internet, sente-se como se estivessem três graus negativos. Como seria de esperar no Pólo Norte, tem nevado ao longo de todo o dia em quantidades abundantes que só não se acumulam porque a chuva é mais persistente e faz a neve dissolver-se. Não acreditam? Ora então vejam as fotos que se seguem…

Já sabem que falta de nitidez é culpa do telemóvel, mas eu garanto que nevou: não só vi muitos e gordos flocos de neve, como andei na rua a apanhar com eles em cima! Para animar a festa, o meu predilecto sítio web da meteorologia prevê que a temperatura desça efectivamente abaixo dos zero graus durante a próxima semana, por isso aqui continuarei a gelar e congelar até que o São Pedro decida repor a normalidade climatérica e devolver-me à Europa. Pensando bem, não sei se é o São Pedro que se ocupa da neve e do frio, mas concerteza saberá para quem reencaminhar este pedido que a Força do Destino encarecidamente lhe dirige.
Esta vida de andar entre dois países dá muito que pensar. E a mim deu-me não só para pensar como também para concluir – o que já é uma tarefa de monta – que razão tem o povo quando diz que não há sol na eira nem chuva no nabal. Deu-me para esta conclusão quando voltei de Lisboa e revi mentalmente uma série de coisas boas e más com que me deparei no nosso país e ao regressar a Bruxelas.
Como se recordarão de anteriores mensagens, as lojas em Bruxelas não são propriamente famosas em termos de atendimento. Há duas semanas, eu tentei em vão comprar um casaco de lã cinzento que experimentei na Zara. Ocorre, porém, que não tinham o meu número. O que é que faz nestas situações? Pede-se a um dos empregados para verificar se o dito cujo existe. Na primeira vez em que o casaco se atravessou no meu caminho, até era o meu número mas tinha as mangas diferentes e faltava-lhe um dos botões. Será que há um em condições noutra loja? Não é pedir muito que o verifiquem, pois não? Afinal, em Portugal qualquer Zara que se preze o faz por nós. «Peça ali à minha colega da caixa que ela vê». Óptimo, aqui fazem o mesmo. Chegado à caixa, esbarro nesta resposta: «Eu, ligar para outra loja? Não, não posso. Mas o senhor pode!». Ora que eu posso também eu sei, estava-lhe era a pedir se o fazia. «Mas é por o casaco não ter um botão? Não se preocupe, eu ofereço-lhe outro». Oferece-me outro? Mas está parva ou faz-se? Devia-me era fazer um desconto para eu levar uma peça desvirtuada! «Depois o senhor chega a casa e põe o botão». Claro, oferecer a possibilidade de o pregarem na loja era pedir demais. «E vende-me o casaco mais barato?» pergunto eu. «Mais barato? Por quê?? Eu já lhe estou a oferecer o botão!!» Desisto…
Como vocês sabem, eu sou muito persistente e quando encontro uma peça de roupa de que gosto sou… ainda pior! De modo que corri meia Bruxelas em busca do casaco e, na falta do meu número, decidi repetir a cena numa loja da baixa. «Pode-me ver se tem o M deste casaco? Não há nenhum aqui». Desta feita, encontrei um rapaz que respondeu prontamente: «Não quer levar antes o de algodão?» Se eu quisesse levar o de algodão, tinha pegado nele e levado, não achas imbecil? E para que é que me serve um casaco de algosão numa terra onde está um grau de temperatura? «Então vou procurar no armazém». Foi mas só voltou passado vinte minutos para me dizer que do dito cujo nem rasto.
Traz-nos esta aventura para Lisboa, onde finalmente encontrei o célebre casaco nessa instituição fabulosa que é o Oeiras Parque. Nem foi preciso procurá-lo, bastou dizer o que queria à menina da caixa, que, por sua vez, fez sinal ao menino que arrumava a roupa, que rapidamente o trouxe. Notem bem que ninguém me disse «vá ali à minha colega», nem me mandou telefonar nem me tentou oferecer botões para eu pregar...
Amanhã vos contarei mais pormenores curiosos e outros verdadeiramente surpreendentes desta Bélgica transformada em Pólo Norte. Boa noite!

Lar doce lar

Depois de cinco dias na nossa encantadora Lisboa, a Força do Destino está de volta e mais reforçada do que nunca… Até porque, bem vistas as coisas, daqui por um mês voltamos a fechar a loja e a embarcar para terras lusas!
Antes de mais, vamos fazer de conta que estamos nos Óscares, acabamos de ser agraciados pela Academia e subimos ao palco para agradecer: eu quero agradecer à minha família e aos meus amigos que me deram a honra da sua companhia ao longo dos últimos dias! Quero dedicar esta estatueta à minha querida família, porque não há palavras que descrevam a alegria que é estar convosco e o quão importantes são para mim. Bem hajam! Quero também partilhá-la com os meus amigos, alguns dos quais não via desde que iniciei a minha carreira internacional, e que tive o genuíno prazer de reencontrar – e de descobrir que os laços que nos unem não se desfazem apesar da distância física que nos separa.
Não é preciso estar aqui para saber que não há como a nossa casa. Todos o sabemos, mas é quando estamos longe dela que esta percepção mais se agudiza. E quando digo casa, estou a pensar nas várias casas que podemos ter. Em primeiro lugar e mais do que nunca, o meu maravilhoso apartamento, que é o sítio mais perfeito do planeta e agora se tornou na casa da Mãe, segundo a própria. Ali tudo está sempre impecável, tudo é confortável e há sempre espaço para tudo. A única coisa que não abundava quando cheguei era calor, mas o calor humano é sempre tanto que o resto não importa. Mas, além das nossas estimadas paredes, outra casa nos provoca saudades: a nossa querida Lisboa, onde o sol brilha, a chuva escasseia e toda a gente fala a nossa língua! É que esta cena de trabalhar num idioma que não é o nosso, viver num país onde se falam dois idiomas que também não são os nossos nem para lá caminham e conviver em idiomas que nos são igualmente estranhos dá conta da cabeça a qualquer um!
Porventura já se esqueceram mas nós estávamos nos Óscares, verdade? E o espectáculo não pode parar, porque tempo é dinheiro e ainda mais agora que estamos em época de crise. Assim, neste preciso instante, a orquestra começa a tocar, a Jodie Foster dá-me o braço para me levar para os bastidores e o comentador de serviço faz um breve resumo do que foram cinco dias em Portugal, enquanto o programa é interrompido para um intervalo publicitário.
Nestes cinco dias, tive direito a um magnífico jantar de aniversário antecipado, a um estupendo almoço de aniversário na véspera, a um belíssimo almoço de aniversário repleto de picanha e a um fabuloso jantar de aniversário duplo. Obrigado a todos os que estiveram presentes, telefonaram, mandaram sms e enviaram e-mails, foi óptimo saber que se lembraram deste vosso amigo. O jantar de aniversário foi duplo porque a Dulce, que também visita este blogue, assinalou uma data particularmente especial e, como tal, comemorámos a dobrar. Não digo qual porque a idade das senhoras não se diz, mas posso afiançar que para o ano que vem serei eu a comemorar uma idade memorável… 30 anos! Já viram como o tempo passa?
Para além destes felizes acontecimentos, também ocorreram algumas peripécias, começando e acabando no aeroporto, onde o avião até aterrou a horas (pasme-se!) mas esperei quase uma hora pela mala. No regresso, o dito cujo aeroporto tentou mesmo boicotar-me e devorou-me um cartão multibanco novinho em folha. Aliás, os multibancos não foram nada hospitaleiros durante esta estadia: então não é que outro deles me engoliu dinheiro e teve a lata de me dar um talão a dizer «depósito não efectuado»? Ainda por cima, era o presente da minha tia…. Que por acaso lê este blogue… mas já está tudo resolvido! Será que os multibancos estavam estão todos feitos uns com os outros? Será??!! Ah pois claro que estão! De repente, vem-me à memória a entrevista do Dias Loureiro à Judite de Sousa esta noite e agora é que eu percebo tudo. Os multibancos estão a conspirar contra o BPN, porque eles pensaram vender umas máquinas alternativas aos ditos cujos e eles agora estão-se a vingar. O pior é que me apanharam pelo meio, logo eu que não tenho nada a ver com o dito banco. Ou pensando bem, até tenho, eu e nós todos, porque é o nosso rico dinheirinho que vai tapar o buraco orçamental dos não sei quantos milhões de euros. E que história vem a ser esta do Banco Privado Português querer aproveitar as garantias do Estado ou o aval ou lá como é que se chama? Dizem que têm falta de liquidez… então mas eles não gerem grandes fortunas? Por este andar, eu também quero um aval ou uma garantia ou outra coisa qualquer que signifique carcanhol a vir na minha direcção. Para quê? Ó meus amigos, nem sequer perguntem: eu vivo na Bélgica, está um frio que não se pode e ainda me perguntam para quê?
Pois é… esqueci-me de falar no tempo. Aqui, ao contrário da nossa radiosa Lisboa, a temperatura é de um grau. E como nos avisa um sítio muito inteligente da Internet, é um grau que parece menos três. Consta mesmo que amanhã poderá nevar e que Domingo os ventos serão fortíssimos. Enfim, se este blogue for particularmente produtivo durante o fim-de-semana, escusam de se interrogar por quê!
A pedido de várias famílias, vou repor a Mamma Mia assim que puder. E deixo-vos também Esta Lisboa Que eu Amo - não a versão original da Simone, mas uma reinventada por uma tuna. Digam lá que não sou original!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

À mesa

Já vos contei algumas aventuras que ocorreram na China mas ainda aqui não se abordou devidamente um assunto absolutamente incontornável quando se fala em tal país: a comida.
Comer na China tem muito que se lhe diga e nem sequer me estou a referir à comida em si. Estou a pensar, como é óbvio, nos pauzinhos. Bem podem dizer que a comida chinesa não sabe ao mesmo se não usarmos pauzinhos… Aqui só entre nós, não há nada como os talheres, essa invenção de excepcional utilidade que transformou o acto de comer de coisa bárbara e alarve num momento de prazer gastronómico. Ora os chineses devem estar algures entre estas duas fases, porque não só nos dão pauzinhos como uma colher de louça. O que, já se vê, é extraordinariamente útil, porque, além de servir para comer a sopa, dá para empurrar os alimentos para a dita cuja e assim evitar que fiquemos a olhar para eles como boi para palácio. Neste aspecto, ficamos, pois, completamente descansados. Aliás, basta ir aqui à cantina para ver que há muito boa gente a comer só com o garfo, por isso por que é que não se há-de comer só com a colher e dois belíssimos pauzinhos?
Quem for à China também poderá ficar descansado se almoçar e jantar sempre e só onde a agência de viagens o levar e, já agora, se a viagem incluir todas as refeições. Digo-vos isto porque na generalidade dos restaurantes aonde fomos em grupo a comida era muito semelhante à comida chinesa que comemos em Portugal, com a desagradável diferença de que as doses tinham dimensões muito mais reduzidas. Na mesa, que era sempre redonda e onde havia sempre uma parte giratório no centro, os pratos eram sempre numerosos. As quantidades que lá estavam dentro é que não. E a sobremesa, então, nem sei que vos diga. Era sempre melancia, à razão de um terço de fatia por pessoa. Como diziam alguns viajantes, não era para comer, era para lavar os dentes…
Mas ir apenas aos restaurantes onde as agências nos levam não tem piada nenhuma. Aliás, fazer apenas o que eles dizem é uma seca brutal, de modo que a malta, que é revolucionária e curiosa por natureza e já tem muita tarimba neste sector das viagens, está sempre pronta a explorar novos caminhos! Às vezes o resultado não é o melhor, mas nada que nos intimide. O problema principal é que em nenhum restaurante se fala Inglês. Ou, de outro ponto de vista, nenhum de nós falava Chinês. Tudo isto levou quatro turistas a passarem mais de meia hora à mesa em Guilin, a olhar para um enorme buffet com olhos de gula e rodeados por uma dúzia de empregados a tentarem articular qualquer coisa. É que eles, além de não falarem Inglês, ou não percebem ou fingem que não percebem que nós não percebemos e, assim, continuam a falar. Mais: chamam os colegas, que por sua vez chamam outros, que chamam ainda outros, numa vã tentativa de se fazer entender. Com todas estas almas orientais em torno de nós e votados à ignorância face ao que diziam, lá apontámos para o bife mais fotogénico da ementa, sempre a invejar o dimensionado buffet no centro do restaurante. Já o bife ia a meio quando finalmente uma guia que estava noutra mesa nos interrompe simpaticamente em Inglês: «O empregado só vos queria dizer que podem comer tudo o que quiserem do buffet chinês, não pagam mais». Ó minha amiga, nem se pensa duas vezes. Escusado será dizer que do bife nem mais um naco marchou…
A propósito de bife, importa realçar que nem sempre o que conhecemos é de fiar. Em Xangai, decidimos pela primeira vez provar o que eles designam por «comida ocidental»: entrámos num restaurante aparentado a pizzaria, onde, como convém, até havia pizzas e aventuramo-nos numa Quatro Estações. Não é preciso ser nenhum especialista em cozinha italiana para saber que esta pizza leva ingredientes diferentes, cada um dos quais está, regra geral, disposto num quarto da pizza. No entendimento chinês, a Quatro Estações só tem tal nome para enfeite, porque também poderia ser Oito Estações ou até dezasseis. É tudo uma questão de imaginação. Afinal tudo quanto estava à mão na cozinha se espalhou lá por cima: camarão, mexilhões, fiambre, atum, lula, ananás, cogumelos, azeitonas, carne picada, brócolos, couve-flor e o mais que vos possa passar pela cabeça. Mas se é verdade que o que conhecemos nem sempre merece confiança, já o desconhecido pode ser muito apetitoso. Em Xian, a opção quase unânime foi pela carne de aves, mas houve uma destemida que se inclinou para as pernas de rã. E adivinhem lá quem acertou? Efectivamente, as pernas de rã eram deliciosas, além de serem precedidas de sopa e seguidas de sobremesa. Quem se ficou pelos pratos habituais, não teve direito a mais!
Mas o melhor da história, em termos gastronómicos, ainda está por contar. Era uma vez um grupo de quatro turistas com tendências independentistas que decidiu jantar na zona típica de Guilin. Nessa noite, porém, vários outros viajantes do grupo se lhes juntaram e lá foram todos em demanda de uma mesa adequada, que encontraram em plena rua. Visto o menu à lupa, este vosso amigo achou logo por bem provar um prato que nunca tinha provado antes: pombo. Já o resto do grupo optou pelo porco doce. Só que, como diz a minha tia desde que jantou no Planet Hollywood, já não se pode confiar no frango, uma coisa tão honesta que se podia comer em qualquer lado porque era sempre igual. Desta vez, perdeu-se a confiança no porco doce. Em lugar do porco que conhecemos dos restaurantes chineses da nossa terra, surgiu uma dúzia de fatias de entremeada do mais gorduroso que possam imaginar, acompanhadas de várias dúzias de amendoins… Razão tinha eu ao escolher o pombo, que se apresentou à mesa de cabeça e tudo, para que não restassem dúvidas de que era quem dizia ser. Sim, pegaram no bichano por inteiro, assim o assaram e assado o puseram no prato. Surpreendente!
Já estou de malas aviadas para vos ir visitar. Hoje a cena habitual da mala que demora a noite toda a fazer não se repetiu, de modo que tudo está a postos para seguir viagem rumo a… Lisboa! Até já!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O centro comercial

Hoje faço uma pequena interrupção na viagem à China, que nos deixou entre Pequim e Xangai, para vos contar como é fazer compras em Bruxelas. Tarefa árdua, mal compreendida e altamente dificultada por quem está do lado de lá de um balcão ou do lado de dentro de uma loja. E mal-amada também pela classe política aqui do burgo. Mas fundamental para que a economia se recomponha e funcione – e se há algo de que a economia mundial necessita é mesmo de se recompor! Claro está que se nenhum país está livre da crise, a Bélgica também não. Mas nem mesmo assim a coisa se torna mais fácil. Políticos desta terra, leiam o meu blogue! Comerciantes deste país, ouçam os meus conselhos! Haverá alguém que tome medidas?...
Tudo começa com os horários. Os horários são uma maçada tremenda, porque uma vez estipulados, têm de ser cumpridos. E, como toda a gente sabe, obedecer a horários implica chegar a horas, o que, evidentemente, é uma canseira ainda maior. Agora até nem estou a gozar, porque como todos sabem, a pontualidade não é propriamente o meu forte. Ora aqui no coração da Europa, os horários de abertura das lojas são tão parecidos com os nossos como a água e o azeite. O pequeno comércio, que abunda aqui no meu bairro, abre quando quer e lhe apetece. O frachising de uma famosa cadeia de lavandarias (isto aqui é como na televisão, não se pode dizer marcas a menos que paguem) abre às 7h00 e fecha às 18h00, o que é um abuso brutal mas dá um jeitão porque a malta não consegue sair muito antes das 18h00 e assim passa lá de manhã a deixar os fatos para limpar a seco. Fecha aos sábados e domingos, ao passo que a lavandaria da mesma empresa no meu bairro português abre ao Sábado. O café em frente abre às 7h30 e fecha às 15h00, porque, como hão-de entender, alguém terá de compensar o exagero de horas laborais despendidas pelos senhores da lavandaria. A outra lavandaria, que não é de nenhuma cadeia internacional mas tem uma empregada muito mais simpática, abre às 10h00 e também fecha às 18h00. Abre ao Sábado até às 12h00, coisa absolutamente inútil porque, assim como assim, estamos todos a dormir e, se por um mero acaso, estivermos acordados e, por um acaso ainda mais remoto, pensarmos em roupa, é porque vamos entrar no banho e convém escolher o que vestir primeiro. Os supermercados abrem às 8h30 e fecham às 19h30. Ambos fecham ao Domingo, excepto um mais pequeno, onde os produtos são os mesmos porque é da mesma cadeia mas os preços são mais elevados. A bem do rigor, cabe notar que quando eu digo que uma loja fecha às 19h00 significa, como se lembrarão de mensagens anteriores, que às 19h00 as luzes estão apagadas, a porta da rua fechada e os empregados do lado de fora da dita cuja. Tanto faz que estejam a experimentar um casaco, que o tenham na mão ou que até estejam a pegar no cartão para pagar. Horas são horas. E horas de sair são horas de sair. É a tal cena de cumprir horários, que se torna sempre muito mais interessante quando se trata de bazar do trabalho.
Tudo isto não é nada porque ainda só falámos de comprinhas do dia a dia, que nem aquecem nem arrefecem. Agora vem a parte que realmente interessa: as lojas de roupa e sapatos abrem às 10h00 e fecham às 18h30 ou, em casos de boa disposição de quem lá manda, às 19h00. Ao Domingo, estão obviamente fechadas, como ocorre também em Portugal. A grande diferença é que essa maravilhosa instituição chamada centro comercial, qual obra-prima das culturas consumistas, também fecha ao Domingo. Nos restantes dias, abre às 10h00 e fecha às 18h30, excepto à Sexta, dia em que fecha meia hora mais tarde. Estão a ver o Corte Inglés? Ou, melhor ainda, o Colombo? Ou, já no patamar do extraordinário, o Oeiras Parque? Pois… Estão vocês mas não estão os belgas nem os estrangeiros que aqui vivemos. Em primeiro lugar, porque a noção de centro comercial como espaço onde passeamos, vamos ao cinema, espreitamos as montras, fazemos as compras da casa, damos uma espreitadela às novidades literárias e fazemos chi-chi sem pagar, tudo quando nos apetece, seja às oito ou às dez da noite, faça frio ou faça sol, seja dia de semana ou fim-de-semana, pura e simplesmente não existe. Aquela sensação tão agradável de entrar num centro comercial e esquecer que chove a cântaros, troveja, está um frio de rachar ou um calor atabafante, porque tudo isso se passa lá fora e cá dentro está sempre calor no Inverno e fresco no Verão, há música se é Natal e festas se o centro faz anos, é desconhecida por aqui. Como me perguntava sabiamente a minha amiga Sofia este Verão, «então mas onde é que as pessoas se vão entreter quando saem do trabalho??».
Se julgavam que já tinham visto tudo, desenganem-se. O pior de todo este imbróglio ainda está para vir. Como se já não bastasse o centro fechar às seis e meia e tudo fechar ao Domingo, ainda por cima o dito cujo é filho único. Sim, leram bem. O centro comercial é uma expressão que aqui apenas se utiliza no singular. Não se pergunta «a que centro vamos?» porque simplesmente não há alternativas. Nesta altura do campeonato, presumo que já nem valha a pena dizer que o dito cujo não inclui cinemas como os nossos, mas inclui a única Fnac cá da terra. Esta parte dispensa comentários. Ah, estão a pensar naqueles programas «cinema + compras + jantar»? Esqueçam…
Como vos dizia na última mensagem, fui ver o novo filme do Woody Allen e, como ainda aqui estou, é porque a Scarlett Johansson não me levou para Hollywood. Ela bem tentou mas eu com a idade estou a ficar muito selectivo… A propósito, o filme não vale um caracol, não fosse serem todos muito bonitos e estar lá a Penélope Cruz, que além de bonita se transformou numa grande actriz, e eu tinha dado o dinheiro por mal empregue. Este fim-de-semana fui ver o W., um retrato impiedoso e satírico do tio Bush que fala com a boca cheia e agora vai para a reforma. Se ainda não viram, recomendo, porque vão descobrir que, afinal, o senhor até é boa pessoa, mas levou a vida inteira a ser descriminado pelo pai. Até que um dia deu-lhe para provar ao pai que era capaz de fazer alguma coisa e meteu-se na política. E lá fez imensas coisas, nenhuma delas útil ou construtiva mas isso agora não interessa nada…
O que já não recomendo é o novo James Bond, que vi de uma posição absolutamente privilegiada: da primeira fila! Ainda pró cima, numa sala de ecrã gigante. Chama-se a isto «envolver-se na trama». É como se fizéssemos parte da acção. A tal ponto estava eu envolvido que até via as borbulhas do senhor!! Que, muito justamente, foi considerado o melhor James Bond desde o Sean Connery – quanto ao filme, já não dá para grandes comparações…
Boa semana!

domingo, 2 de novembro de 2008

Três dias em Pequim

Visitar Pequim sem ver a Cidade Proibida não é visitar Pequim. Por isso mesmo, foi por aí que continuou o nosso programa de viagem, não sem antes passar pela Praça de Tiananmen, que tem no extremo norte o mausoléu do Mao e a sul o Portão da Paz Celestial, que a separa da Cidade Proibida. Foi nesta praça que o Mao proclamou a fundação da República Popular da China em 1949 e foi também lá que, quarenta anos depois, o regime massacrou centenas de opositores. Memórias nada edificantes numa praça atafulhada de turistas, que se acotovelavam para chegar à Cidade Proibida. Que – espero não vos desapontar – é muito bonita mas não propriamente espectacular como eu imaginava. A verdade é que a maioria dos pavilhões, dispostos em forma de labirinto, estão vazios, pois a maior parte do que lá estava foi levado para um museu em Taipei. O que só mostra que esta gente pensa com os pés, porque se pensasse com a cabeça punha lá umas mobílias quaisquer, como o Salazar pôs no Castelo de Guimarães a fingir que as ditas cujas lá estiveram a vida toda. Claro que toda a gente repara que nada daquilo lá esteve desde sempre mas, pelo menos, a coisa fica mais composta. Falta lá o espírito pragmático dos portugueses! Aqui ficam algumas imagens.






Depois de visitar o Palácio de Verão, fomos finalmente apresentados a um dos mais famosos embaixadores de Pequim no planeta… o pato! Ao contrário do que possam pensar, não é lá muito diferente do que comemos em Lisboa ou noutro lado qualquer mas é, sem dúvida, apetitoso. No entanto, se o prato principal variou de refeição para refeição, já a sobremesa foi sempre melancia, que vinha invariavelmente racionada: um quarto de fatia para cada um. Por alguma razão os chineses são tão magrinhos…
Outro ponto de paragem obrigatório em Pequim é a Grande Muralha, que começou a ser construída no século VI a. C. e liga a China do Mar Amarelo à Mongólia, atravessando 6 400 quilómetros. É por isso que, como diz a minha tia, é mais impressionante vista na televisão, porque, empoleirados no alto da coisa em Badaling, apenas vemos uma parte ínfima do que a muralha realmente é. Apesar da deslumbrante paisagem em redor que poderão ver nas imagens, a beleza da construção está efectivamente na sua grandiosidade, que só podemos contemplar quando a vemos de cima. Deve ter sido por isso que a minha tia resolveu parar ao fim dos primeiros lances de escadas, porque, assim como assim, por mais alto que subisse nunca veria a muralha por inteiro. Consta que, durante a dinastia Ming, a muralha chegou a ser guardada por um milhão de homens. O que, bem vistas as coisas, não é nada de especial: afinal os chineses são tantos milhões que bem se podem dar ao luxo de ter um milhão a guardar uma muralha. E quem diz um diz dois ou três!





Não nos podíamos despedir de Pequim sem visitar um dos mais importantes pontos turísticos da cidade: o Yashow. E agora perguntam vocês: mas que é isso do Yashow, que nunca ouvi tal nome? Ora aí está um segredo bem guardado que vou partilhar convosco. O Yashow é um mercado de três andares, uma espécie de mistura entre feira de Carcavelos e centro comercial da Mouraria (quem não conhece não perde nada), mas muito mais composto e organizado. Ali vende-se de tudo, desde roupa a acessórios, e por preços que não vos passam pela cabeça. Obviamente, tudo – tudo mesmo – é de marcas de luxo, porque material pindérico não tem direito a entrar. De modo que… já estão a ver o resultado, não estão? Na manhã antes de dizer adeus a Pequim, este vosso amigo foi buscar um belíssimo fato de caxemira preto, feito à medida e ao gosto de moi-même, por um preço a que não compramos nenhum fato aqui, nem que seja na boa da Zara. Pelo caminho arremataram-se mais umas coisitas para que a mala não voltasse para Lisboa apenas meia cheia, porque, como se recordarão da mensagem com esse mesmo título, uma mala meia cheia é uma dor de cabeça, já que tudo o que lá está dentro anda aos tombos de um lado para o outro. Ao passo que numa mala cheia não há espaço para nada andar aos tombos, logo o conteúdo chega ao destino sem rugas nem amolgadelas. Digam lá se eu não tenho boas ideias!!
Hoje termino por aqui, pois daqui a pouco vou ver o novo filme do Woody Allen. E, como certamente compreendem, não posso deixar a Scarlett Johansson à minha espera, pois não? Se não colocar mensagens nos próximos dias, já sabem o motivo: ela perdeu-se de amores por mim e levou-me para Hollywood!
Boa semana!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Primeiras impressões

Estamos de novo em Pequim, mais precisamente à saída do Templo do Céu que já conhecem de uma mensagem anterior. É considerado um templo taoista, no qual os imperadores das dinastias Ming e Qing rezavam todos os anos ao Céu para terem uma boa colheita. Curiosamente, diz quem sabe que as orações ao Céu são anteriores ao culto taoista. Classificado pela UNESCO como Património da Humanidade, este templo foi construído entre 1406 e 1420 pelo imperador Yongle, que também construiu a Cidade Proibida na qual ele e sua descendência assentaram arraiais. Não menos curioso é o facto de o Templo do Céu ter ser mais alto do que os edifícios da Cidade Proibida, pois, dado que os imperadores chineses se consideravam «filhos do Céu», não se atreviam a construir uma residência superior ao seu local de culto. E esta, hein?
Altamente enriquecidos pela beleza majestosa do templo e por todo este manancial de informação, lá fomos ver do almoço, que isto de aguentar um voo de nove horas e começar o programa turístico de imediato dá conta do estômago e da cabeça. No meio destas andanças para trás e para diante, surge uma primeira impressão que se viria a confirmar extraordinariamente exacta: Pequim é, antes de tudo o mais, gigantesca. Os edifícios são enormes, as praças são enormes, as estradas são enormes, os centros comerciais são enormes e as aglomerações de turistas são, também elas, enormes. Por conta de toda esta enormidade, em Pequim tudo é longe de… tudo. Como, aliás, verificaríamos mais tarde nas restantes cidades da China. Estão a ver o fundo da rua? Assim como quem diz «Ora esta praça é mesmo ao fundo da rua, podemos perfeitamente ir a pé, porque é tão pertinho!». Nada disso. Mal saímos do hotel por nossa conta pela primeira vez, bem tentámos chegar ao fundo da rua mas não houve meio, porque o fundo da rua – que é sempre tão perto nos mapas – é a quatro quilómetros de distância! Ou mais. A noção de «perto» tal como nós a conhecemos não existe. As únicas coisas que ficam perto uma da outra são os quartos do hotel e mesmo assim só se forem na mesma zona do mesmo piso. A dimensão das coisas e a enormidade das distâncias foram, sem dúvida, as primeiras coisas que nos despertaram a atenção em Pequim. Quem pensar que se pode conhecer as cidades a pé como nós fazemos na Europa, engana-se rotundamente. Até porque, além do obstáculo da lonjura, outro mais forte se nos depara...





A língua! A língua foi o maior de todos os obstáculos que tivemos de enfrentar na China. Ao contrário do que muitos poderão pensar, praticamente ninguém fala um idioma estrangeiro. Inglês? Forget it! Quais Jogos Olímpicos, qual quê! E não pensem que não tentámos: experimentámos na rua, em lojas, em restaurantes, em sitos turísticos, em sítios menos turísticos, com gestos, a apontar para o mapa…. E nada. Tudo começou no hotel, onde tentámos usar um cartão telefónico que o guia nos tinha vendido. De cada vez que marcávamos um número a resposta era em Chinês, por isso tratámos de pedir ajuda. A ajuda lá veio, não particularmente depressa mas veio, sob a forma de uma empregada muito simpática mas nada dada a qualquer outra língua que não fosse o Chinês. Nós explicámos que de Chinês não pescávamos nada, virámo-nos para o Inglês mas ela continuou, impávida e serena, a falar em Chinês. Face a este impasse, resolvemos pedir socorro e enviaram uma segunda empregada, igualmente solícita e igualmente incapaz de articular qualquer palavra em Inglês. Já meio desconcertados, telefonámos para a recepção, onde o Inglês pouco melhor era do que o de uma criança do quinto ano, e apareceu o próprio do guia que nos tinha vendido o cartão e que em boa hora estava ao balcão da recepção. O imbróglio resolveu-se mas bastou sairmos à rua, pedirmos para nos indicarem o caminho, com mapa na mão e tudo, para verificarmos que ninguém fala senão Chinês. Num mundo globalizado, onde o Inglês é um idioma quase ubíquo, facilmente nos esquecemos de que, nalguns lugares, a impossibilidade de comunicar pode ser praticamente total. E só não digo total, porque, à boa e desenrascada maneira dos Portugueses, contamos sempre com a nossa fabulosa capacidade de gesticular. Mas confesso-vos que poucas vezes em viagens vivi uma situação tão estranha como a de não conseguir comunicar. Não se tratava de não comunicar correctamente, de não me fazer entender como gostaria ou de não compreender os outros como eles desejariam: tratava-se, pura e simplesmente, de não comunicar! Dissecada a problemática, explicaram-nos que anualmente a China recebe menos de um milhão e meio de turistas ocidentais. Como vos disse, os grupos de turistas são enormes e omnipresentes… mas compostos quase totalmente de turistas internos!
Como vos contarei adiante, a situação haveria de se repetir em quase todas as cidades que visitámos, nem sempre com o melhor resultado. Mas disso vos darei conta numa próxima mensagem. Boa semana!



terça-feira, 21 de outubro de 2008

Sem palavras

Não quero que vos falte nada! Por isso, coloquei na barra esquerda uma compilação de imagens alusivas à China, uma espécie de resumo fotográfico deste país com tanto para fotografar. Mas como sou muito jeitoso com computadores, não só pus a China como também Times Square (assim vêem a diferença) e ainda um desconhecido que – acabo de descobrir – está a mexer nuns preservativos em forma de chapéu que custam 120 dólares! Horror dos horrores. Escândalo dos escândalos. O meu blogue não tem bolinha, pode ser visto por qualquer um sem aviso prévio, já viram o pavor? Virem os meus estimados amigos ler este digníssimo blogue e encontrarem um chinês a promover preservativos a 120 dólares? Já não bastava estar a mexer nos ditos cujos no meu cantinho da blogosfera, ainda por cima vende-os a 120 dólares! Estou sem palavras. E o mais curioso é que estou sem palavras depois de descobrir do que é que consta o vídeo mas, coincidência ou não, já tinha dado este título à mensagem de hoje. Que, obviamente, ia ter um conteúdo muito diferente. Mas agora com esta cena dos preservativos de luxo estou tão estupefacto que nem consigo escrever mais nada.
Se alguém souber como é que eu adiciono ao blogue uma apresentação da China sem contracepção à mistura, faça o favor de me avisar!

sábado, 18 de outubro de 2008

Era uma vez… em Paris

Mais precisamente no aeroporto Charles de Gaulle, essa monstruosidade aeroportuária onde fomos obrigados a correr feitos doidos depois de treze horas de voo. Mas isso passou-se no regresso da viagem e, portanto… agora não interessa nada!
O que interessa é que cheguei a Paris transportado pelo Thalys, uma verdadeira maravilha tecnológica que percorre os 336 quilómetros entre as duas cidades a uma velocidade média de 236 km/h e em apenas uma hora e doze minutos! Leram bem, uma hora e doze minutos. E diga-se a bem a verdade que são uma hora e doze minutos muito tranquilos, porque o comboio não efectua paragens pelo meio, é extremamente confortável, todo ele muito limpinho e apresentável, e custa apenas 25 euros. Já sei que agora estão todos a pensar que, daqui a uns anos, viajar entre Lisboa e o Porto também será assim graças ao TGV do tio Mário Lino… pois… enfim, vão sonhando, que a gente no dia de são nunca à tarde logo tira as dúvidas.
Eis-me então no aeroporto de Paris, à espera que a minha família chegue de Lisboa, juntamente com o restante grupo da excursão e na posse de toda – TODA – a documentação de que eu precisava para viajar: eu nem tinha bilhete nem passaporte. Sucedem-se telefonemas para cá e para lá, a minha Mãe do lado de lá do controlo de passaportes, eu do lado de cá, e assim estivemos uma série de tempo, como naquele filme em que as pessoas se estão a ver através de um vidro mas não há maneira de se aproximarem. Tudo porque uma alma iluminada declarou que ninguém do grupo podia sair da zona de embarque senão depois já não poderia voltar a entrar. Toda a gente tinha passaporte? Sim. E bilhete? Também! Então por que é que não haveriam de sair e entrar??? Ora aí está uma boa pergunta… o imbróglio resolveu-se por intermédio de uma caridosa assistente de bordo (anteriormente designada de «hospedeira»), que fez o grandessíssimo favor de me entregar os meus documentos.
E eis-me, assim, na companhia de minha família rumo a Pequim, instalado como o avião o permitia, o que não era lá grande coisa. Não sei o que passa pelas mentes brilhantes de quem concebe aviões quando o fazem, mas certamente não passa que um par de pernas – nem sequer muito grandes – terão de caber entre o nosso assento e o do vizinho da frente! Foi, portanto, com algum aperto que chegámos a Pequim, depois de nove horas a bordo e alguns apalpões no aeroporto, os primeiros de uma interminável série de apalpadelas que se seguiriam China afora. Ora em Pequim são mais oito horas do que em Bruxelas e mais nove do que em Lisboa. Está bom de ver que isto dá um jet-lag tremendo, por isso o melhor é a malta não se enfiar logo na cama mal chega, senão depois não há quem durma à noite. É justamente a pensar que a agência de viagens resolve cortar o mal pela raiz e nos despeja imediatamente no centro de Pequim. Hotel só à tarde, que para dormir ficávamos em casa. E assim lá fomos ordeiramente visitar o Templo do Céu.
Convido-vos a dar uma espreitadela aqui em baixo. A viagem segue dentro de momentos…

sábado, 11 de outubro de 2008

De olhos em bico

Amigas e amigos, após umas maravilhosas férias e um atribulado regresso ao trabalho, este vosso cantinho da blogosfera declara-se oficialmente reaberto!
Como hão-de calcular, entre a última mensagem que aqui deixei e o dia de hoje, passou-se uma enorme quantidade de coisas que quero partilhar convosco. Mas a verdade é que foram tantas que... nem sei por onde começar! Ora vejam: passei duas semanas de sonho na China, diverti-me imenso, vi coisas que me deixaram de olhos em bico, andei numa cabine de esqui por baixo de água, visitei os guerreiros de terracota e temi que me atacassem, fui a Veneza sem sair de Macau, mandei fazer um fato por medida, usei quase toda a roupa que levei na tal mala atafulhada, voltei para Lisboa, não estive com quase nenhum dos meus amigos mas vou desforrar-me em breve, assisti ao casamento de um grande amigo e perdi a parte do banquete, fiz dez viagens de avião em duas semanas e meia, regressei a Bruxelas, recomecei o trabalho, tentaram dar comigo em doido mas não conseguiram, conheci uma série de pessoas novas, dormi duas noites com dez eléctrodos na cabeça como se fosse um extraterrestre, acordei com os mesmos dez eléctrodos e a cabeça cheia de cola, fechei mal a panela de pressão e acabei com espinafres a enfeitar a sala toda, encontrei uma rapariga que me viu uma única vez há seis anos e se lembrava de mim, vi o Mamma Mia e delirei, vi a Mariza ao vivo e julguei que estava a ver um filme de terror, organizei três eventos que correram lindamente, pus 60 adultos a brincar com cadeiras num hotel de cinco estrelas e descobri que, após 28 anos de culpabilização, não ressono. Aposto que agora já compreendem que uma mensagem só não chega para contar tantas aventuras!
Mas enquanto tudo isto acontecia, o mundo começou a girar a uma velocidade ainda mais rápida do que o habitual: a Sarah Palin saiu do seu bloco de gelo e candidatou-se a vice-presidente, as acções das bolsas começaram a andar aos trambolhões, distribuíram umas coisas quaisquer chamadas «Magalhães» que parece que são importantes mas eu ainda não percebi do que se trata, as seguradoras americanas entraram em colapso e pegaram a doença aos bancos, os bancos americanos pegaram a doença aos europeus, o principal banco da Bélgica esteve quase a falir mas o Sarkozy e companhia puseram lá o dinheiro dos contribuintes, o Obama perdeu eleitores e voltou a ganhá-los, a filha da Sarah Palin está grávida e não é casada, a dita cuja parecia muito séria mas afinal quis despedir o cunhado porque se separou da irmã, a Carol abriu um blogue, os americanos vão gastar 700 biliões de dólares para salvarem os bancos deles mas parece que não chega, o segundo maior banco da Bélgica também esteve quase a falir, três países juntaram-se para o pôr na ordem, as acções do dito cujo perderam 15% num só dia e os ministros juntaram-se à noite para lá injectar mais dinheiro, o Vítor Constâncio disse para estarmos descansados mas a mim não me tranquilizou nada, a Bélgica tem finalmente um governo, o novo governo diz o mesmo que o Constâncio mas a malta está toda em pânico, os Fascínios acabaram e a minha tia deixou de ver telenovelas em protesto contra o final imoral da coisa, a Ângela entregou a tese, os italianos manifestaram-se contra o Berlusconi, a AIG que foi salva da falência com o dinheiro dos contribuintes americanos mandou os executivos para um resort de luxo na Califórnia com direito a spa e golfe, um dos bancos belgas que esteve quase a falir ofereceu um jantar para duzentos convidados no hotel mais caro de Monte Carlo, o outro que também esteve à beira da catástrofe ofereceu um almoço de 150 mil euros exactamente no mesmo hotel e a Coreia do Norte já não é perigosa. Ao menos valha-nos isto: mesmo que o sistema financeiro ande todo às cambalhotas, com a Coreia do Norte já não precisamos de nos preocupar!
De amanhã em diante, cá estarei para vos dar conta das peripécias que aqui resumi, pois com todo este tumulto no mundo e o adiantado da hora, a minha pobre cabeça já só pensa na almofada. Boa noite e até breve!

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Fechado para férias

Ora dizia a senhora do cão barulhento que as férias não são para descansar. Eu discordo em absoluto, como expliquei na última mensagem, e aposto que vocês também. Mas, ao entrar hoje no blogue para escrever esta mensagem, veio-me novamente à memória a incomparável frase da senhora e pensei que, se as férias nos permitem descansar, já a preparação é trabalheira para cansar qualquer um. Já pensaram nisto?
Se não acreditam, vou-vos contar a história de um viajante a braços com esse monumental desafio que é fazer uma mala. Quando o encontramos, já o nosso viajante está há séculos a fazer uma mala, que, mesmo com o maior esforço de organização (e se há coisa que ele é, é organizado!), é uma tarefa que demora a noite inteira. E por mais que procure, não consegue encontrar uma explicação plausível. Aliás, a bela da mala já está deitada no chão há três dias, com os sapatos e a roupa mais forte que ele vai levar, por isso hoje bastava colocar a roupa mais leve e fechar a coisa. De preferência sem cadeado, porque, assim como assim, os nosso amigos dos aeroportos, que são pessoas com uma imaginação sem limites, acabam sempre por arranjar maneira de abrir as malas. Por isso, mais vale deixá-la já a jeito, pelo menos assim abrem mas não escavacam. Que é uma coisa muito importante, porque, segundo me contaram, algumas companhias aéreas deixaram de substituir ou pagar os arranjos das malas que estragam. Pode uma coisa destas? Dão cabo do património alheio e ficam-se a rir. Constou-me que só pagam se a mala tiver desaparecido, uma verdadeira calamidade que devia dar direito não só ao pagamento da mala como a um dia inteiro de compras por conta da transportadora em causa. Um dia, pelo menos. Dois ou três talvez fosse melhor... nunca se sabe quanta roupa se pode enfiar numa mala... quanta se teria de comprar em compensação!
O problema maior de arrumar uma mala para férias é aquela sensação constante de que falta sempre qualquer coisa. Pomos os sapatos, mas dá sempre jeito um par de sandálias. E, já agora, também uns chinelos do quarto, porque, se vamos andar muito, os pés chegam ao fim do dia maçados. Depois pomos a roupa interior. Aqui não pode haver economias, que a malta tem de andar em condições e isto de passear a pé causa transpiração por todo o lado. Em seguida, vêm os produtos de higiene, mais o perfume e o desodorizante, naqueles frascos de vidros que nunca dão jeito a arrumar, e uns pacotes de lenços, não seja conto que nos dê para espirrar. Claro que, juntamente com os artigos de higiene, vêm não sei quantas bolsas e sacos de plástico para os champôs e os cremes não inundarem a mala se a mesma for maltratada pelo pessoal do aeroporto. Neste momento, o nosso viajante entra em pânico: ainda não pôs roupa nenhuma e a mala já está mais de meia. É nesta altura que ele vai ver se o telemóvel já carregou, esquece-se da lista em qualquer parte incerta e só se volta a lembrar quando chega ao destino e repara que o cinto ficou em casa e o pijama ficou-lhe a fazer companhia. Entretanto já a hora vai adiantada e o viajante, cada vez com menos pachorra, quer mas é despachar o serviço e meter-se na cama, que amanhã é dia de levantar cedo para apanhar o avião. Imbuído de pressa, lá guarda as calças, as camisas e as camisolas. Obviamente, dado que a pressa não é boa conselheira, as calças não jogam com as camisas e as camisolas não condizem com nada do resto, mas disso só se dará conta quando já estiver noutras paragens. Pronto, agora já pode fechar a mala. Vai de procurar as chaves para o cadeado, mas onde é que elas andarão que ninguém as consegue encontrar, e entretanto o viajante tem uma vontade súbita de ir à casa de banho. E ainda bem que assim que é, porque é nesta altura que se apercebe de que o estojo da barba ainda está na bacia. Toca a guardar tudo e pôr na mala. O pior é que o estupor do estojo não tem espaço para tudo. Cabe a gilete e a espuma, mas não cabe o after-shave. Ou, tirando tudo e voltando a guardar, cabe o aparador e o after-shave mas agora não cabe nenhum dos outros. Está difícil. Toma-se uma decisão de monta, barbear e não aparar (seria pior decidir não fazer nenhuma das duas, ficávamos todos a perecer uns neandertais e depois ninguém nos queria) e abre-se a tampa da mala outra vez. Só que agora já está tudo no lugar e não há espaço para o estojo, que, ainda por cima, pesa e tudo quanto pesava foi para o fundo, para não amachucar a roupa. Não há outro remédio: tira-se tudo e põe-se outra vez. É precisamente ao pensar que «não há remédio» que o nosso viajante se dá conta do impensável: não leva remédios! Ora já se sabe que quando se viaja todo o cuidado é pouco, porque as diarreias e enfermidades afins podem estar à espreita, além disso qualquer um pode ter uma dor de cabeça, uma dor de garganta, tosse, espirros, fungos, alergias e muitos outros padecimentos. Como é melhor prevenir do que remediar, lá volta ele à vaca fria e enfia mais uma bolsa na mala. E só agora que mexe em remédios é que se lembra de que até vai viajar para um lugar quente e soalheiro. Ora em sítios assim há que usar protector solar, coisa que ainda não tinha ocorrido ao nosso viajante mesmo sabendo há meses para onde ia viajar.
Pronto! Foi stressante, desgastante e verdadeiramente estonteante, mas finalmente a mala está feita, com tudo o que possa ser preciso. O viajante tenta fechá-la... mas o fecho éclair não fecha... ora ora, uma mala tão bem feita e não fecha... mas ele nem leva tanta coisa assim (que ideia, só leva coisas para um batalhão se vestir durante quinze dias!)... neste momento, lança um grito de socorro: «Alguém me empurra a tampa para baixo para ver se o fecho corre?» Mas o fecho teima em não correr, porque, pura e simplesmente, a mala está atafulhada. Era nestas ocasiões que a minha querida Avó, que não tem malas com fecho éclair (ela é que a sabe toda), se sentava em cima da mala e não deixava outra possibilidade à dita cuja senão fechar-se. Porém, hoje a generalidade das malas têm fecho éclair e o nosso viajante, já rodeado de três familiares a descompô-lo por conta do exagero de bagagem a transportar, lá consegue fechar a boa da mala e respira finalmente de alívio. Aliviado, vai deixar a mala à entrada de casa, com enorme sacrifício dos braços, vá-se lá saber por quê. Até que alguém com bom senso (quase sempre a Mãe) se lembra de um pormenor, daqueles pormenores que não ocorrem a ninguém mas podem ter a máxima importância: «E se pesasses a mala?» Pesar a mala?? «Que disparate», pensa ele. «Para quê se eu levo tão pouco coisa!». Mas, como homem prevenido vale por dois, lá faz o teste do peso. «Ah, a balança deve ter avariado, vejam lá logo agora. Diz que a mala pesa mais de vinte quilos. Ora deixa lá pesar outra vez. Que estranho, continua a dizer o mesmo. Deve estar contra mim. Só pode estar contra mim. Não há outra explicação!» E com isto dá a contenda por terminada. Assim como assim, agora também já não se pode fazer nada... já viram o trabalho que dava regressar ao início e tirar tudo outra vez?
Depois disto, só há uma solução: fechar para férias. Que é precisamente o que este blogue e o seu autor vão fazer hoje. Amigos leitores e visitantes deste cantinho da blogosfera, aqui ficam os votos de umas óptimas semanas e, como dizem os apresentadores do telejornal, se for o caso disso, boas férias!

domingo, 31 de agosto de 2008

As férias

O prometido é devido. Por isso aqui retomo o fio à meada da última mensagem para vos explicar que as férias nem sempre são para descansar. Para algumas pessoas, elas servem mesmo para tudo menos descansar.
Ora estava eu posto em sossego no Algarve, faz hoje umas três semanas, quando um cão altamente perturbador começa a latir sem parar. Três e meia da tarde - hora de estar na praia ou de estar na cama. Eu estava na cama. E o cão estava a a ladrar. Quatro da tarde. Eu ainda na cama mas sem conseguir descansar. E o estupor do cão a ladrar. Ora esta não estava no programa. Cinco horas - hora de voltar para a praia. E o malvado do cão ainda a ladrar, como se não houvesse oportunidades melhores ou alguém lhe fosse dar um prémio consoante o número de decibéis que atingisse. Claro que, com toda esta fenomenal barulheira, ninguém que estivesse perto da entrada dos apartamentos conseguia sossegar. Mas, sempre na boa onda de dar o benefício da dúvida, todos achámos estranho que o dito cujo também fosse hóspede do aparthotel, afinal a generalidade dos hotéis e afins não permite a entrada de cães. Pois enganámo-nos. Isto de dar o benefício da dúvida é chão que deu uvas e quase nunca vale a pena. À saída para a praia, apercebemo-nos de que o ruído insuportável vinha mesmo do nosso andar... mesmo de dentro de um apartamento... e quando saímos, alguém saiu logo a seguir deixando o animal fechado no interior, entregue à sua infernal ladaínha.
Passaram-se una dias, em que como já estão a imaginar o bicho continuou a ladrar como se não houvesse amanhã, até que minha Mãe, imbuída da fúria colectiva, resolveu queixar-se na recepção. Por acaso, eis que alguém que também estava na recepção nessa altura se apressa em defesa do cão. «O cão é meu!», exclama a dona, uma saloia armada em chica-esperta e particularmente desocupada, como verão em seguida. «Já se apercebeu do barulho que o cão faz todos os dias? Ele está a ladrar de manhã à noite. Não deixa ninguém no hotel sossegar!», explica-lhe a minha Mãe num tom demasiado simpático. «E o que é que quer que eu lhe faça?» Pergunta tão estúpida. Assim de repente, estou-me a lembrar de milhentas coisas que poderias fazer ao dito e nenhuma delas é dar cabo dos meus ouvidos. «Sabe», insiste a senhora, «eu ontem tentei levá-lo para a praia...» Quê? Tentou levá-lo para a praia? A mulher está a gozar ou os latidos do cão deram com ela em doida? Não lhe ocorreu que é proibido levar cães para a praia? «... mas o cabo do mar não deixou!» A sério? Olha que surpresa... «E assim tenho de o deixar aqui.» Ao que a minha Mãe respondeu: «E não acha que as outras pessoas têm direito a descansar?» Ao que a senhora responde com uma frase inenarrável: «Descansar? Mas quem é que vem para aqui descansar?» Algarve... Agosto... isto faz soar alguma campaínha nessa cabeça vazia?? Hello??? «As férias não são para descansar!». Agora tenho a certeza: a mulher era louca, tarada, completa e desvairadamente insana. Então a malta farta-se de trabalhar, vem para aqui gozar uns dias de descanso e afinal as férias não são para isso? Bom, cada um com a sua opinião, mas cá fica a prova de que, ao contrário do que eu pensava (e estou certo que muitos de vocês também), nem sempre as férias são para descansar.
Antes de me ir deitar, queria contar-vos que anteontem estive numa festa latina com uns amigos que conheci há pouco tempo. Eu a pensar que seria um concerto ao vivo e sai-me uma grande feira de comes e bebes - mais bebes do que comes -, vendas para todos os gostos e muita salsa à mistura. Uma verdadeira animação com direito a carimbo na mão à entrada, como quando andávamos no liceu. Ainda por cima, eu que, como muitos de vocês sabem, sou extremamente friorento (a Ju, a Elvira e a Fátima sabe-no melhor do que ninguém - «Ó Pedro, tenha lá paciência mas eu vou abrir a janela antes caia para o lado!»), levei uma camisola de algodão porque me tinham dito que a festa era na rua. E não é que, depois de duas semanas de Inverno antecipado (eles cá dizem Outono mas para nós isto é Inverno), o calor chega de noite? E logo em quantidade... Após duas semanas em que o Sol não brilhou uma vez que fosse e toda a gente andava de casaco de Inverno, eis que o Verão decidiu fazer uma rentrée de última hora. Anteontem e hoje o calor continuou sem dar tréguas, mas hoje já um calor desagradável, muito abafado, estão a ver quando está calor mas não há Sol? Pois, é isso mesmo... logo agora que eu estou prestes ir de férias!
Boa noite e boa semana!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Chefe em trânsito

Minha querida Mila, um milhão de desculpas por não ter estado contigo nesta passagem por Portugal mas, como imaginarás, não foi de todo por falta de interesse nem de vontade. Foi mesmo por falta de tempo! Na realidade, só estive em Lisboa três dias que verdadeiramente voaram. Desta vez, apenas tive oportunidade para estar com a minha família. Ainda queria fazer uma série de telefonemas no fim-de-semana, pelos menos sempre conseguia estar mais perto dos amigos mesmo que à distância de uma linha telefónica, só que depois com o stresse de arrumar tudo e a mala que pesava demais (pesa sempre demais) e estar no aeroporto a horas já não consegui. Mas não fiques aborrecida, porque da próxima vez encontramo-nos concerteza! Olha, ainda bem que estou a escrever isto no blogue porque assim todos os meus amigos que o visitam (e espero que sejam muitos, não tenho forma de saber por isso fico sempre feliz quando leio os vossos comentários) ficam também a par e podemo-nos todos encontrar. Agora que as oportunidades para nos vermos ao vivo e em directo são tão poucas, bem podíamos combinar uma almoçarada ou jantarada da próxima vez que for a Lisboa e colocávamos em dia toda a conversa atrasada, que vos parece? Tantos amigos que eu não vejo há tanto tempo, se não fosse trocarmos e-mails e receber os vossos comentários neste blogue sentiria que estive convosco pela última vez há uma eternidade. Ora não me digam que não era uma bela ideia organizarmos um encontro aqui mesmo através do blogue!
Esta semana a minha chefe está em trânsito e eu também, por isso é que decidi atribuir este título à mensagem. Mas cada um está em trânsito por razões diferentes e com consequências desiguais. Eu estou em trânsito porque a meio da semana que vem bazo para férias e, como hão-de imaginar, já não penso noutra coisa e já estou a contar os dias. Ela está em trânsito porque foi de férias esta semana, pelo que acharam boa ideia chamar-me a substituí-la nas diversas reuniões a que tem de comparecer e responder a todas as dúvidas que surgem sobre o que o departamento está a fazer. Já estão a ver a cena, não estão? Pois é, eu que já tinha uma pilha de assuntos para tratar antes do meu adorado congé, agora tenho outra. Ainda por cima uma pilha daquelas assim meio inacessíveis e confusas, porque, como todos sabem, entre as múltiplas e diversificadíssimas tarefas que já tive nos meus oito anteriores empregos (as traduções não contam para a estatística...) nenhuma delas foi reportar acerca do trabalho alheio. Mas, pensando melhor, se fosse tudo sempre igual a malta maçava-se e não tinha nada de novo para contar neste blogue. Aliás, estou em crer que foi mesmo a pensar nisto que a minha chefe e os meus colegas mais graduados decidiram pôr-se a milhas todos ao mesmo tempo. Assim, como diz uma amiga minha, chegam na próxima semana frescos e fofos com imenso para contar e eu também terei imenso para lhes contar. Não sei é se estarei muito fofo mas fresco hei-de estar com toda a certeza porque uns dias depois já terei o pé no avião!
Quem escreveu nos comentários que as férias são para estar de papo para o ar, ou seja, para descansar? Eu na próxima mensagem já vos conto uma cena que ocorreu no Algarve para verem como nem todos acham que as férias são para descansar. Aliás, para algumas pessoas não são nem para descansar nem para deixar os outros descansar! Entretanto, tenho mais um episódio rocambolesco que vale mesmo a pena partilhar convosco. Claro está que envolve médicos novamente mas desta feita não ocorreu só na Bélgica nem se passou só comigo. De tudo isto vos darei conta na próxima mensagem. Até lá!

domingo, 24 de agosto de 2008

Regresso

Olá a todos! Antes de mais, obrigado pelos vossos desejos de boas férias. Espero que também estejam a gozar uns óptimos dias de descanso ou de viagem, conforme os casos.
Eu cá regressei a Bruxelas para encontrar alguma chuva e um frio verdadeiramente desconcertante para esta época do ano. Desconcertante para nós estrangeiros, sobretudo os que vimos do Sul da Europa, habituados a verões dignos desse nome, mesmo que com alguma ventania pelo meio como já sei que tem estado em Lisboa. Para os locais, todo este desconcerto climático é absolutamente normal. Tanto assim é que se espantam com o calor: antes de ir de férias estava um calor realmente estival em Bruxelas, conforme vos contei, e eu, contentíssimo, dizia a uma colega belga: «Espero que seja assim durante todo o Verão, está um tempo óptimo e nem sequer tem chovido». Ao que ela responde estupefacta: «Mas tu já te esqueceste de onde é que estás? Estás na Bélgica! Lá poderá vir um dia ou outro mais soalheiro e mais quente, mas regra geral não é assim». Escusado será dizer que esta semana lhe está a dar razão.
O que vale é que cheguei de duas semanas estupendas em Portugal, a maioria das quais passadas no Algarve. O tempo esteve perfeito, nem demasiado quente nem fresco, logo ideal para estar na praia, sobretudo para quem gosta de dormir de manhã e depois chega à praia àquela hora a que todos os médicos e outras pessoas de bom senso recomendam que não se esteja lá: por volta das onze e meia ou do meio-dia, precisamente quando o calor aperta mais, que para frio já basta o que passo aqui. A propósito de frio, a água estava completamente gelada, esqueceram-se de ligar o aquecimento todos os dias, o que devia dar direito a reclamação, que a malta está a contar com banhos de sol e banhos de mar mas acaba por dar alguns mergulhos - rápidos mas nada fáceis - só para depois poder aproveitar devidamente o sol. Como habitualmente, estive com a minha família em Armação de Pêra, que é aquele sítio do Algarve de onde toda a gente foge excepto quem vai para lá desde sempre, como é o meu caso, e adora ter a praia quase em frente a casa.
Não posso dizer que venha particularmente bronzeado, o que obviamente se compreende se tivermos em conta a hora a que ia para a praia. Mas, como diz a minha tia e bem, o bronzeado muito carregado já passou de moda e dado que vamos para a idade, todos os cuidados são poucos, porque os radicais livres dão cabo não sei do quê e provocam envelhecimento da pele. Sim, porque ao contrário daquilo que eu pensava, no ano que vem terei mesmo 30 anos!! Pois é, amiga Fatinha, eu realmente estava muito longe de pensar na coisa e muito menos de ter consciência dela. Sinceramente achei que o dentista estava parvo de todo, mas afinal quem andava baralhado era eu. Ainda bem que as minhas aventuras pelo maravilhoso mundo dos cuidados de saúde belgas lhe deram para rir, se não servirem para me pôr melhor ao menos já serviram para dar umas gargalhadas. Aliás, esta semana julguei que iria aqui dar conta de mais alguns disparates, pois fui a um médico especializado em problemas de sono. Porém, surpresa das surpresas, a coisa saiu melhor do que a encomenda, lá estive quase uma hora a responder a uma bateria de perguntas tipo interrogatório da polícia e o senhor até disse que o meu Francês era perfeito. Obviamente já tinha perguntado de antemão como é se diz «comprimidos para dormir» e «adormecer», mas o que interessa é que sobrevivi às perguntas e ninguém me pôs as mãos na boca sem luvas!
Depois de duas semanas de perfeito descanso, trago uma mão-cheia de sugestões literárias para vocês e, desta feita, para todos os gostos. Recordação Perigosa, da Mary Higgins Clark, é uma acelerada história de suspense em torno de uma mulher que descobre que o marido é sonâmbulo precisamente na altura em que uma série de homicídios ocorrem na cidade onde vive. Tal como em outros livros da autora, ora é contado na terceira ora na primeira pessoa, o que torna a narrativa ainda mais aliciante. Lamentavelmente, a editora traduziu o título inglês I Heard That Song Before por Recordação Perigosa, o que é particularmente absurdo porque o título original é uma frase tirada do romance e da maior importância no desenrolar da história. Despachei este livro num ápice e voltei-me para O Perfume, de Patrick Süskind, que me foi recomendado há muitos anos pela Patrícia e pela Sara e é um best-seller internacional já adaptado ao cinema. Intrigante, misterioso e fora do comum, está cheio de descrições pormenorizadas de aromas apurados. Depois, optei por algo mais entusiasmante e li A Ameaça, no original Whiteout, um thriller de Ken Follet, um britânico que escreveu numerosos êxitos entre os quais Os Pilares da Terra. Este recomendo vivamente, mas, a ser possível, sugiro a versão original. Não sei se é por ter feito traduções no passado, mas tornei-me particularmente sensível a traduções mal feitas e a erros inadmissíveis, como trocar sistematicamente os nomes dos personagens. Trocas e baldrocas que são uma especialidade da Margarida Rebelo Pinto, que altera pormenores da vida dos personagens conforme o capítulo. Tudo acontece em Português Suave, um livro sem grande qualidade mas extraordinariamente bem vendido: a capa é irresistível, com uma lindíssima vista do Tamariz de outros tempos, a síntese na capa parece prometedora e a da badana também. Foi tudo isto que me levou a comprá-lo. Só que depois gasta-se o dinheiro, lê-se o livro e chega-se à conclusão de que frustra qualquer expectativa; como dizia um dos meus professores de marketing, a promessa do produto não está minimamente à altura do dito cujo. E é uma pena, porque a ideia de base é interessante e o romance poderia ser riquíssimo. Pretende contar a história de três gerações de mulheres da mesma família que se rebelam contra os brandos costumes típicos do nosso País, no meio do ambiente idílico do Estoril. Ora aqui estava um belo ponto de partida para um romance interessante. Só que o dito acaba por tratar não de como as senhoras enfrentam os brandos costumes, mas dos amores desavindos e das desgraças quotidianas da geração mais nova, que ora chora por um homem que não quer ora dorme com o primeiro que lhe aparece, como acontece nos livros anteriores da autora. Aliás, as personagens mais jovens são quase iguais às dos outros romances dela: as mulheres são todas umas tias lindas, elegantes e bem-vestidas que só usam carteiras de marca; os homens são todos altos, umas «brasas» e umas «bombas na cama» - todas as expressões são dela e repetidas até à exaustão. A descrição dos locais e o enquadramento histórico são pobres e triviais, não acrescentada nada ao que já sabemos. Enfim, para ler e deitar fora. Um desperdício, porque esta ideia nas mãos do Miguel Sousa Tavares ou da Rosa Lobato de Faria ou do Domingos Amaral tinha dado um belíssimo romance. Terminada esta leitura, virei-me para a biografia da Hillary Clinton escrita pelo Carl Bernstein que a minha Mãe em boa hora me ofereceu - Uma Mulher no Poder. Um retrato excepcional da mulher que não chegou à Casa Branca como presidente, mas ainda vai ajudar a empurrar o Obama para lá. Ou então ele ainda fica pelo caminho. Uma obra detalhada sem ser aborrecida, rica sem ser repetitiva, crítica mas sempre documentada. Recomendadíssima!
E com estas sugestões me despeço por hoje. Boa semana e até breve.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

O senhor no ano que vem terá 30 anos...

... disse-me o dentista esta semana. E vem mesmo a propósito falar aqui de dentistas, porque, tanto quanto me recordo, ainda não vos contei das minhas aventuras pelo maravilhoso mundo dos médicos belgas. Um verdadeiro carrossel de emoções. Ora comecemos pela dermatologista...
Há uns dois meses, estava eu posto em sossego a limpar os pés à saída do duche, quando me deparo com várias manchas encarnadas e a pele dos dedos dos pés a descascar. Resposta pronta: com esta bodega desta água hipercalcária, a pele seca até dizer basta, depois dá nisto. A culpa é toda da água, mas como é que se admite que num país desenvolvido a água seja tão pouco tratada ou mal tratada ou lá o que for a ponto de secar a pele drasticamente. Descarregando a culpa sobre a pobre da água, achei que o problema se resolvia com creme hidratante, daquele que há agora especificamente para pés e até tem um vago aroma de laranja, e vai disto. Toca a pôr creme como se não houvesse amanhã. Mas as manchas lá continuavam, por isso toma com mais creme. Até que ocorreu à minha Mãe, que estava de visita e como sempre pensa nas coisas com todos os neurónios, que talvez o mal não fosse da água, visto que não tinha manchas no resto do corpo, e que talvez devesse consultar um dermatologista. A água é de facto extremamente calcária e quase dá conta da pele se não pusermos creme, mas a tanto não chegaria realmente. Assim decidi dar a mão à palmatória e lá fui à dermatologista. A clínica com muito bom aspecto, atenderam-me a horas, tudo muito bonito até que foi preciso explicar à senhora o que me trazia por ali. Em Francês. Agora é que são elas. Ora eu tinhas manchas, em Inglês stains, bem tentei mas nada, porque ela de Inglês não pescava palavra. Passados cinco minutos de esforços vãos para comunicar, tipo cinema mudo, a senhora optou pela via pragmática: «Então e se me mostrasse?» Assim fiz. Ora as manchas chamam-se tâches, óptimo, mais uma coisa que eu aprendi. O pior foi quando a senhora me disse que eu também tinha champignons. Champignons? Então mas champignons são cogumelos, olha a mulher deve estar é parva, agora cogumelos nos pés, que jeito. E ela repetia, «oui vous avez des champignons», e tornava a insistir e eu cada vez mais à nora, sempre a perguntar «mas que vem a ser isso?» «Fungos», responde ela por fim. «Ah, podia ter começado por aí». Voltei da consulta não com um mas com dois novos vocábulos aprendidos e tenho a dizer que, em três semanas e graças ao tratamento prescrito, todos os males desapareceram. A senhora ficou tão feliz que até exclamou: «Je suis très content de vos pieds». Olha que porreiro, a mulher ficou feliz pelos meus pés, que coisa simpática de se dizer a uns pés. Eles também ficaram contentes certamente.
Esta semana a experiência foi um pouco diferente. Decidi ir ao dentista porque, como alguns de vocês sabem, usei aparelho há alguns anos nos dentes inferiores e queria usar também na parte superior, aproveitando a apregoada qualidade dos tratamentos dentários belgas, tão afamados pela qualidade e pelo preço que vêm pessoas da Holanda e da Alemanha exclusivamente para tratar a dentadura aqui. Pois então vamos a isto. Desta feita, a cena começou logo ao telefone com o senhor a perguntar-me quem me tinha enviado para ele. Ninguém! «Ninguém me recomendou?» «Não». Então mas isto é o dentista ou é o astrólogo? Que eu saiba, só os médicos muito concorridos é que aceitam doentes apenas por indicação de outrem e, como eu constatei, não era propriamente o caso. Lá expliquei ao senhor que moro aqui perto, passei à porta dele e vi a tabuleta e decidi ligar, tudo coisas que me parecem normais, sobretudo porque não sou de cá e não conheço dentistas. Está bem, venha lá e lá fui. Quando toco à campainha, o senhor vem-me receber com toda a simpatia e eu vejo logo que ali não há secretárias nem assistentes como na minha dentista de Lisboa. Até aqui tudo bem. Em seguida, pergunta-me que queixas tenho, tal como a outra, e faz-me seguir para a cadeira e abrir a boca. De imediato, disparam todos os alarmes que há no meu cérebro: o homem não tem luvas! Repito: não tem luvas!!! Luvas, uma coisa indispensável a qualquer dentista! Mas o senhor nem vê-las. Com o nojo e o desconforto instalados, pensei que até poderia sair dali com os dentes tratados mas de uma infecção na boca poderia não escapar. Claro está que a primeira coisa que este vosso amigo fez ao chegar ao trabalho foi precisamente... lavar os dentes! Voltando ao consultório, para começo de conversa eu tentei explicar os tratamentos que fiz em Lisboa, culminando na destartarização que me fizeram antes de vir. Ora claro que destartarização se haveria de dizer em Francês détartarisation. Sem reacção. Segunda tentativa: «détartarisation». Nada. Nem sequer um simples «não percebi». Apenas silêncio. Ao que me ocorre dizer: «quitter tartare». «Ah, détartrage!». Pois, isso... Nisto, decidi perguntar ao senhor o que achava de eu tratar os dentes de cima e ele opinou que eu tenho uma boca normal, não é perfeita mas é normal, e os dentes são todos saudáveis. Está bem. Ou estaria, porque a contenda não ficou por aqui.
«Mas sabe, o senhor tem dentes a mais na boca, por isso é natural que uns pressionem os outros, porque não têm espaço». Quê? Dentes a mais? Ai o homem está de todo, olha agora dentes a mais, que disparate de conversa é esta? Mas onde é que eu me vim meter? «Eu só tenho os meus dentes normais», respondi eu como quem diz «não acrescentei nenhuns». «Claro, mas não é muito comum pessoas da sua idade terem toda a dentição, ao longo da vida por uma razão ou outra tiveram de tirar dentes». Ah, percebi. «De qualquer forma, o senhor tem de pensar que para o ano que vem terá 30 anos e que, sendo ainda tão jovem, não há-de querer que os dentes se entortem ao longo da vida». Pára tudo! Esta agora foi demais. Eu para o ano tenho 30 anos? Passou-se mesmo! «Não, eu para ano que vem terei 29». «Não, o senhor disse-me a data de nascimento, ora em 2009 terá 30 anos». «Não senhor, eu tenho 28, como é que para o ano tenho 30?» «Sim, vai ter». Achei que não valia a pena insistir, rotulei o senhor de tonto, paguei e pus-me a milhas porque, assim como assim, a consulta estava terminada. Fiquei pessimamente impressionado, um dentista que nem sequer usa luvas - LUVAS! - e ainda tem a lata de se enganar a fazer contas. Durou a ilusão até chegar a casa e contar a cena à minha Mãe. Como sempre a raciocinar com todos os neurónios e mais alguns e sem necessitar de fazer contas, diz-me de imediato: «Olha lá, então tu para o ano não vais fazer 30?» «Não! Eu? Claro que não!» «Então este ano não vais fazer 29?» «Ah, vou». «Pois, então para o ano farás 30 anos!! Lógico! Daaahhhh.....» O senhor afinal tinha toda a razão. Para o ano entrarei nos trinta... Mas nada disso desculpa a falta das luvas, está bem???!!!
Meus amigos, este blogue e o seu autor desejam-vos umas óptimas férias, porque os próprios também estão de malas aviadas... para casa! Estarei, pois, ausente durante algum tempo, retemperando forças e, quem sabe, juntando algumas histórias para aqui partilhar. Esperando encontrar em Portugal um tempo tão agradável e um Sol tão luminoso como a cor que dei a estas letras. Como se diz por cá, estarei en congé!