segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eu voto… na língua portuguesa!

Estava eu na casa de banho, ouvindo tranquilamente a cobertura das eleições na RTP 1, quando me senti impelido a correr para o computador e tomar nota do que ouvia. Tinha ligado o televisor há dez minutos para ouvir as previsões, mas, neste curtíssimo intervalo de tempo, o número de disparates por segundo ultrapassou qualquer previsão possível. Eu estou adoentado com uma inflamação na garganta, mas a língua portuguesa está com uma infecção muito séria e os jornalistas da RTP precisam de um potente antibiótico linguístico.
À primeira vista, as noites de eleições são excepcionais para os canais de televisão. Os cenários são vistosos, há ecrãs modernaços em que os jornalistas fazem parecer os resultados e as pessoas estão todas muito bonitas, sobretudo na minha televisão onde toda a gente parece morena mesmo que seja branca como a cal da parede.
Mas nestas noites acontecem muitas coisas em pouco tempo e, por vezes, não acontece nada durante tempo demais. O primeiro aplica-se ao período a partir das 20h00, em que todos estão à espera do escrutínio que está atrasado, e o segundo ao período entre as 19h00 e as 20h00, em que não há nada para noticiar e se ocupa o tempo a comentar o que não aconteceu e a carregar no ecrã gigante para fazer comparações que não interessam.
Mas mesmo quando os resultados não estão actualizados e os directos são interrompidos, o comboio da asneira nunca pára. O José Rodrigues dos Santos que, como já vos contei, é o rei do disparate, anuncia que estarão em directo com sedes de campanha onde há elementos picantes. Picantes?! Será que ele não queria dizer elementos de controvérsia? Ou de polémica? Fico em suspenso à espera desse apimentado directo e ele volta à carga: “Vamos agora para um desses municípios picantes: Oeiras.” Para rematar, acrescenta que, segundo as sondagens e o resultado de há quatro anos, o principal concorrente de Isaltino Morais é o PS. Agora o erro já é de conteúdo e não de forma. O principal concorrente do Isaltino há quatro anos foi o PSD, não o PS.
Esta coisa das eleições maça que se farta e às tantas a confusão é tanta que já ninguém mede as distâncias e somos todos uma grande família autárquica. Em directo de Matosinhos, um dos repórteres da RTP explica a disputa eleitoral entre “o Narciso” e o Guilherme Pinto. “O Narciso?” Então mas andaram juntos na escola? Ou são amigos do peito? O senhor não terá apelido? Deve ser como nas certidões de nascimento do século passado em que as pessoas só tinham o primeiro nome…
Além dos directos, outra coisa que perturba muito o decurso das noites eleitorais são as projecções. Às sete da noite, os programas começam mas ainda não há projecções nenhumas, por isso comenta-se o que não aconteceu, comenta-se o que provavelmente não vai acontecer e, à falta de outra coisa, comentam-se os próprios comentários. Às oito chegam finalmente as ditas projecções. Mas à mesma hora começam a surgir os resultados verdadeiros e as ditas projecções ficam desactualizadas em minutos. E, por sua vez, os resultados oficiais também ficam desactualizados, porque os políticos têm representantes nas mesas de voto que já sabem o resultado enquanto nos ecrãs ainda falta escrutinar metade das freguesias. Mas o espectáculo tem de continuar: ainda que desactualizados, os resultados lá continuam a surgir em rodapé, coloridos e vibrantes como na Feira Popular.
Por conta das projecções, o José Alberto Carvalho também meteu o pé na argola. A conversa com o especialista das sondagens começou por “Agora é assim,” que já de si não será a melhor forma de falar em público. A conversa prossegue sobre a abstenção que, afinal, é uma grande treta porque os cadernos eleitorais incluem quase um milhão de pessoas que, na realidade, não deveriam lá estar. Entre mortos e emigrantes, ainda as urnas não abriram e já há abstenção. Toda esta problemática é resumida pelo José Alberto Carvalho nesta breve pérola: “Os cadernos eleitorais não estão limpos.” Ai não? Estão sujos? Têm teias de aranha? Ou é coisa que se resolva com um pano do pó e um frasco de Pronto?
Já sabemos que, como habitualmente, nas eleições ninguém perde. Uns perdem câmaras mas continuam a ter o maior número de presidências. Outros perdem as principais câmaras mas têm o maior número de votos. Só há uma que perde quase sempre e não tem partido que lhe valha: a língua portuguesa. Quem vota nela?