quinta-feira, 20 de maio de 2010

Desculpe, isto é açúcar?

Há pessoas que nunca devem ter entrado num supermercado. E que, provavelmente, também nunca fizeram comida na vida.
Ontem fui ao supermercado na esquina da minha rua. Precisava de aprovisionar devidamente a dispensa, porque a minha família chega amanhã. Tinha-se acabado a massa, os legumes, o papel higiénico, o leite, o pão e demais mercearias que deviam nascer nas despensas e emigrar para as cozinhas por iniciativa própria. A arca congeladora estava meia vazia, o frigorifico quase vazio e a dispensa estava cheia… de garrafas de vinho e tupperwares vazias.
De modo que lá peguei no meu carrinho de compras como fazem as pessoas de idade e estava diligentemente de lista na mão quando um senhor me interpela:
- Desculpe, fala Inglês?
- Sim, precisa de ajuda?
Nisto, ergue um frasco de detergente da louça.
- Sim, isto é detergente da louca?
Se tem cor de detergente da louça e esta no lugar dos detergentes da louça e vem dentro de um frasco de detergente da louca, talvez seja detergente da louça. Mas nunca fiando…
- Para lavar os pratos.
- Pois, o detergente da louca serve para lavar os pratos.
Pelos vistos, a coisa ainda não lhe está clara na mente.
- À mão – explico eu –, não é para a máquina da louça…
- Ah…
Acontece. Algumas pessoas nunca lavaram louça. Eu vivi com uma rapariga que não sabia que o chão se lava com detergente nem nunca tinha cozinhado, portanto já devia imaginar que há pessoas que nunca lavaram louça. Mas a contenda não ficou por aqui. Imediatamente o senhor mostra-me um pacote de açúcar.
- Já agora, sabe-me dizer se isto é açúcar?
E já agora, não me quer dizer onde estacionou a sua nave espacial?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Só para esclarecer

Só para esclarecer: o que me faz impressão não é ajudar a Grécia, pois a União Europeia construiu-se na base da solidariedade. Como europeísta convicto, acredito que nos devemos ajudar uns aos outros em nome do bem comum. Como disse a Angela Merkel, a Grécia é um dos nossos e não a podemos deixar cair.
O que me incomoda é que tudo se faça em função dos caprichos dos especuladores e dos desejos das agências de rating. Estes pressionam os mercados, ameaçam subir os juros da divida e, já está!, tomem lá mais uns cobres para sossegarem. Tudo se resolve com mais dinheiro. Ninguém pára para pensar que, mais tarde ou mais cedo, a Grécia e a Europa por junto hão-de ter de repor o dinheiro que agora disponibilizam. Ou seja, as gerações vindouras já nascerão endividadas. As contas bancárias dos contribuintes não são bolsos sem fundo… parecem, mas não são…
No auge da crise (não esta, mas a anterior), alguém dizia que era preciso rever o sistema financeiro que tinha levado ao colapso. Era fundamental questionar alguns dos actores que intervinham no dito cujo. E chamá-los à responsabilidade. Mas agora essas vozes já não se ouvem… agora só se ouvem os peritos, os políticos e as autoridades a exigirem mais euros… muitos milhões de euros…

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Expliquem lá melhor, mas agora como se eu fosse muito burro

Continuo a ver televisão, a acompanhar os jornais e a ler os comentários das minhas visitantes habituais, mas não há meio de entender. Sei que há uns especuladores e umas agências de «rating» e umas bolsas que têm de ser satisfeitos dê lá por onde der. Também sei que a Europa não pára de pôr dinheiro na mesa. Ainda não percebi é por que é esses amigos têm de ser acalmados e por que é que o nosso dinheiro é disponibilizado sem parar para acalmar a inquietação dos ditos cujos. Expliquem lá melhor, desta vez como se eu fosse muito burro…
A União Europeia acaba de disponibilizar 500 mil milhões de euros para, segundo os noticiários, «estabilizar o euro». Um plano gigantesco e inédito, que, nas palavras de outros especialistas, irá «salvar a moeda única». Isto foi hoje de madrugada. Durante o dia, graças a este excepcional envelope de dinheirinho fresco, já está tudo bem outra vez. Os mercados estabilizaram, a bolsa portuguesa registou a maior subida de sempre, a de Madrid cresceu 10% e os juros da dívida portuguesa desceram. E, como a festa não ficaria completa sem todos os convivas, os EUA deram um ar da sua graça e Wall Street foi contagiada pela euforia europeia. O FMI saudou as medidas anunciadas. Por acaso, umas horas antes, Barack Obama tinha expressado a sua preocupação com a situação da Europa em geral e da Grécia em particular. Fica por saber se a dita preocupação significa vontade de ajudar ou apenas a conversa do costume. Entretanto, como a situação já voltou ao normal, Obama terá certamente posto o assunto de lado para se preocupar com temas mais urgentes e inadiáveis, tais como o papel da Xbox na evolução da democracia.
Mas, enquanto os mercados entram em euforia e o resto do planeta se regozija com o plano multimilionário, a tesoura dos governos não pára de atacar a despesa. A sociedade? Que aguente e é se quer! O Ministro das Finanças admite que poderá aumentar os impostos. Os ex-ministros das Finanças, esquecidos de que ocuparam esse cargo, avisam para medidas mais drásticas. O Vítor Constâncio, com o seu talento único para criticar o ordenado alheio sem falar no próprio, quer que o défice desça mais. E já este ano. O pessoal que se aguente à bronca e nada de vir armar confusão como os doidos dos Gregos.
Esta perturbadora realidade recorda-me do 11 de Setembro e da recessão económica que se seguiu. Nesse dia, o António Perez Metello teceu um comentário muito elucidativo, que rezava mais ou menos assim: «As torres caíram, mas, excepção feita às que desapareceram na tragédia, as empresas continuam de pé, as pessoas vão voltar ao trabalho e a economia pode retomar o seu curso. Mas tudo depende do que os mercados dirão». Vários anos depois do 11 de Setembro, veio a crise financeira que começou na América e contagiou a Europa. Muitos países endividaram-se até à medula. A Islândia faliu. As tais agências de «rating», porém, continuaram impávidas e serenas a brincar com os ditos «ratings» e nós a pagarmos. Poucos meses antes do colapso, estas amigas consideravam a Islândia um país seguríssimo para investir. Também não se sabemos estas queridas onde andavam quando a América deixou falir o Lehmann Brothers. Aliás, nessa altura a quantidade de agências, institutos e demais garantes do bem comum que estavam em sono profundo devia ser enorme, porque o FMI, que agora dá sentenças a torto e a direito, também estava ausente do escritório. O Barack Obama, por sua vez, estava ocupado com a campanha eleitoral, que, ao contrário da Xbox, é boa para a democracia.
Quando o G20 se juntou para resolver a tal crise que veio do outro lado do Atlântico, uma analista espanhola disse que, quando saíssemos da dita cuja, a economia teria irremediavelmente de se reconstruir de outra forma. Mais cuidadosa, mais sustentada e menos sujeita aos caprichos dos especuladores. Mas, dois anos depois, estamos de volta ao ponto de partida: os especuladores estão inquietos, os mercados pressionam e os rumores multiplicam-se. E lá vão os mesmos de sempre pagar a factura. Os mesmos pagadores que continuam à mercê dos mesmos especuladores. Nenhuma das tais agências distraídas mencionou que fechou uma fábrica em Portugal onde 900 pessoas perderam o emprego. Nem que o desemprego na Europa não pára de subir. O que interessa isso comparado com a pressão dos especuladores? Não interessa nada…

terça-feira, 4 de maio de 2010

Expliquem lá melhor

Os problemas que não se resolvem voltam sempre para nos atazanar. E, geralmente, voltam pior do que da primeira vez.
A crise na Grécia dá-me para pensar. Aliás, não é só a crise na Grécia, porque, segundo os jornalistas, a Espanha é hoje o novo alvo dos especuladores. «As bolsas europeias fecharam no vermelho por causa dos rumores sobre uma eventual ajuda europeia à Espanha». «Wall Street em queda por causa da instabilidade na Europa». «Economistas admitem que Portugal pode precisar de ajuda». «Steiglitz diz que está a chegar o fim do euro». Eu não sou especialista, mas, se bem percebi, a Grécia vai pagar juros mais altos pela sua dívida. OK. Porque o défice é maior do que o previsto. Percebo. As agências de rating mudam o rating da Grécia. Pois. Os mercados entram em paranóia. Não sei se consigo acompanhar. Por isso, a Europa – que somos todos nós – vai emprestar uma pipa de massa à Grécia. Como é que é? Expliquem lá isso melhor…
É impressão minha ou nós vamos emprestar uma fortuna à Grécia porque os mercados enlouqueceram e os especuladores precisam de se acalmar? Ou melhor, para assegurar a acalmia dos mercados, vamos até pôr a hipótese de dar uma ajudinha à Espanha. Que até há uns tempos atrás era toda saúde. Ah, e já agora, como o bolso dos contribuintes é sempre mais fundo do que a ganância pode imaginar, vamos lá também emprestar umas massas a Portugal, para que não haja descriminações entre os PIGs. PIGs ou PIIGs é um acrónimo de mau gosto com que aqui se designam os países da coesão: Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha.
Em troca do apoio europeu, a Grécia vai arrumar a casa e pôr ordem nas finanças públicas. A receita é a mesma do costume: os funcionários públicos vão ter os salários congelados, os pensionistas vão ter reformas mais baixas, o IVA aumenta, corta-se na saúde e na educação (nunca nos ordenados dos políticos, claro) e um dia, com boa vontade de todos os envolvidos, lá se há-de pagar o tal empréstimo. Nem que tal demore gerações a fio. Agora o que é preciso é acalmar os mercados. Daqui a uma décadas, pensamos nessa cena de pagar o empréstimo. Agora é urgente tranquilizar os especuladores. Deixem lá os pobres, os desempregados e a classe média, que agora não interessam nada… O que interessa é que as agências de rating não reduzam a classificação da dívida soberana. Mesmo que, para isso, a soberania dos países se esvaia no fumo das especulações…