terça-feira, 2 de setembro de 2008

Fechado para férias

Ora dizia a senhora do cão barulhento que as férias não são para descansar. Eu discordo em absoluto, como expliquei na última mensagem, e aposto que vocês também. Mas, ao entrar hoje no blogue para escrever esta mensagem, veio-me novamente à memória a incomparável frase da senhora e pensei que, se as férias nos permitem descansar, já a preparação é trabalheira para cansar qualquer um. Já pensaram nisto?
Se não acreditam, vou-vos contar a história de um viajante a braços com esse monumental desafio que é fazer uma mala. Quando o encontramos, já o nosso viajante está há séculos a fazer uma mala, que, mesmo com o maior esforço de organização (e se há coisa que ele é, é organizado!), é uma tarefa que demora a noite inteira. E por mais que procure, não consegue encontrar uma explicação plausível. Aliás, a bela da mala já está deitada no chão há três dias, com os sapatos e a roupa mais forte que ele vai levar, por isso hoje bastava colocar a roupa mais leve e fechar a coisa. De preferência sem cadeado, porque, assim como assim, os nosso amigos dos aeroportos, que são pessoas com uma imaginação sem limites, acabam sempre por arranjar maneira de abrir as malas. Por isso, mais vale deixá-la já a jeito, pelo menos assim abrem mas não escavacam. Que é uma coisa muito importante, porque, segundo me contaram, algumas companhias aéreas deixaram de substituir ou pagar os arranjos das malas que estragam. Pode uma coisa destas? Dão cabo do património alheio e ficam-se a rir. Constou-me que só pagam se a mala tiver desaparecido, uma verdadeira calamidade que devia dar direito não só ao pagamento da mala como a um dia inteiro de compras por conta da transportadora em causa. Um dia, pelo menos. Dois ou três talvez fosse melhor... nunca se sabe quanta roupa se pode enfiar numa mala... quanta se teria de comprar em compensação!
O problema maior de arrumar uma mala para férias é aquela sensação constante de que falta sempre qualquer coisa. Pomos os sapatos, mas dá sempre jeito um par de sandálias. E, já agora, também uns chinelos do quarto, porque, se vamos andar muito, os pés chegam ao fim do dia maçados. Depois pomos a roupa interior. Aqui não pode haver economias, que a malta tem de andar em condições e isto de passear a pé causa transpiração por todo o lado. Em seguida, vêm os produtos de higiene, mais o perfume e o desodorizante, naqueles frascos de vidros que nunca dão jeito a arrumar, e uns pacotes de lenços, não seja conto que nos dê para espirrar. Claro que, juntamente com os artigos de higiene, vêm não sei quantas bolsas e sacos de plástico para os champôs e os cremes não inundarem a mala se a mesma for maltratada pelo pessoal do aeroporto. Neste momento, o nosso viajante entra em pânico: ainda não pôs roupa nenhuma e a mala já está mais de meia. É nesta altura que ele vai ver se o telemóvel já carregou, esquece-se da lista em qualquer parte incerta e só se volta a lembrar quando chega ao destino e repara que o cinto ficou em casa e o pijama ficou-lhe a fazer companhia. Entretanto já a hora vai adiantada e o viajante, cada vez com menos pachorra, quer mas é despachar o serviço e meter-se na cama, que amanhã é dia de levantar cedo para apanhar o avião. Imbuído de pressa, lá guarda as calças, as camisas e as camisolas. Obviamente, dado que a pressa não é boa conselheira, as calças não jogam com as camisas e as camisolas não condizem com nada do resto, mas disso só se dará conta quando já estiver noutras paragens. Pronto, agora já pode fechar a mala. Vai de procurar as chaves para o cadeado, mas onde é que elas andarão que ninguém as consegue encontrar, e entretanto o viajante tem uma vontade súbita de ir à casa de banho. E ainda bem que assim que é, porque é nesta altura que se apercebe de que o estojo da barba ainda está na bacia. Toca a guardar tudo e pôr na mala. O pior é que o estupor do estojo não tem espaço para tudo. Cabe a gilete e a espuma, mas não cabe o after-shave. Ou, tirando tudo e voltando a guardar, cabe o aparador e o after-shave mas agora não cabe nenhum dos outros. Está difícil. Toma-se uma decisão de monta, barbear e não aparar (seria pior decidir não fazer nenhuma das duas, ficávamos todos a perecer uns neandertais e depois ninguém nos queria) e abre-se a tampa da mala outra vez. Só que agora já está tudo no lugar e não há espaço para o estojo, que, ainda por cima, pesa e tudo quanto pesava foi para o fundo, para não amachucar a roupa. Não há outro remédio: tira-se tudo e põe-se outra vez. É precisamente ao pensar que «não há remédio» que o nosso viajante se dá conta do impensável: não leva remédios! Ora já se sabe que quando se viaja todo o cuidado é pouco, porque as diarreias e enfermidades afins podem estar à espreita, além disso qualquer um pode ter uma dor de cabeça, uma dor de garganta, tosse, espirros, fungos, alergias e muitos outros padecimentos. Como é melhor prevenir do que remediar, lá volta ele à vaca fria e enfia mais uma bolsa na mala. E só agora que mexe em remédios é que se lembra de que até vai viajar para um lugar quente e soalheiro. Ora em sítios assim há que usar protector solar, coisa que ainda não tinha ocorrido ao nosso viajante mesmo sabendo há meses para onde ia viajar.
Pronto! Foi stressante, desgastante e verdadeiramente estonteante, mas finalmente a mala está feita, com tudo o que possa ser preciso. O viajante tenta fechá-la... mas o fecho éclair não fecha... ora ora, uma mala tão bem feita e não fecha... mas ele nem leva tanta coisa assim (que ideia, só leva coisas para um batalhão se vestir durante quinze dias!)... neste momento, lança um grito de socorro: «Alguém me empurra a tampa para baixo para ver se o fecho corre?» Mas o fecho teima em não correr, porque, pura e simplesmente, a mala está atafulhada. Era nestas ocasiões que a minha querida Avó, que não tem malas com fecho éclair (ela é que a sabe toda), se sentava em cima da mala e não deixava outra possibilidade à dita cuja senão fechar-se. Porém, hoje a generalidade das malas têm fecho éclair e o nosso viajante, já rodeado de três familiares a descompô-lo por conta do exagero de bagagem a transportar, lá consegue fechar a boa da mala e respira finalmente de alívio. Aliviado, vai deixar a mala à entrada de casa, com enorme sacrifício dos braços, vá-se lá saber por quê. Até que alguém com bom senso (quase sempre a Mãe) se lembra de um pormenor, daqueles pormenores que não ocorrem a ninguém mas podem ter a máxima importância: «E se pesasses a mala?» Pesar a mala?? «Que disparate», pensa ele. «Para quê se eu levo tão pouco coisa!». Mas, como homem prevenido vale por dois, lá faz o teste do peso. «Ah, a balança deve ter avariado, vejam lá logo agora. Diz que a mala pesa mais de vinte quilos. Ora deixa lá pesar outra vez. Que estranho, continua a dizer o mesmo. Deve estar contra mim. Só pode estar contra mim. Não há outra explicação!» E com isto dá a contenda por terminada. Assim como assim, agora também já não se pode fazer nada... já viram o trabalho que dava regressar ao início e tirar tudo outra vez?
Depois disto, só há uma solução: fechar para férias. Que é precisamente o que este blogue e o seu autor vão fazer hoje. Amigos leitores e visitantes deste cantinho da blogosfera, aqui ficam os votos de umas óptimas semanas e, como dizem os apresentadores do telejornal, se for o caso disso, boas férias!