domingo, 31 de agosto de 2008

As férias

O prometido é devido. Por isso aqui retomo o fio à meada da última mensagem para vos explicar que as férias nem sempre são para descansar. Para algumas pessoas, elas servem mesmo para tudo menos descansar.
Ora estava eu posto em sossego no Algarve, faz hoje umas três semanas, quando um cão altamente perturbador começa a latir sem parar. Três e meia da tarde - hora de estar na praia ou de estar na cama. Eu estava na cama. E o cão estava a a ladrar. Quatro da tarde. Eu ainda na cama mas sem conseguir descansar. E o estupor do cão a ladrar. Ora esta não estava no programa. Cinco horas - hora de voltar para a praia. E o malvado do cão ainda a ladrar, como se não houvesse oportunidades melhores ou alguém lhe fosse dar um prémio consoante o número de decibéis que atingisse. Claro que, com toda esta fenomenal barulheira, ninguém que estivesse perto da entrada dos apartamentos conseguia sossegar. Mas, sempre na boa onda de dar o benefício da dúvida, todos achámos estranho que o dito cujo também fosse hóspede do aparthotel, afinal a generalidade dos hotéis e afins não permite a entrada de cães. Pois enganámo-nos. Isto de dar o benefício da dúvida é chão que deu uvas e quase nunca vale a pena. À saída para a praia, apercebemo-nos de que o ruído insuportável vinha mesmo do nosso andar... mesmo de dentro de um apartamento... e quando saímos, alguém saiu logo a seguir deixando o animal fechado no interior, entregue à sua infernal ladaínha.
Passaram-se una dias, em que como já estão a imaginar o bicho continuou a ladrar como se não houvesse amanhã, até que minha Mãe, imbuída da fúria colectiva, resolveu queixar-se na recepção. Por acaso, eis que alguém que também estava na recepção nessa altura se apressa em defesa do cão. «O cão é meu!», exclama a dona, uma saloia armada em chica-esperta e particularmente desocupada, como verão em seguida. «Já se apercebeu do barulho que o cão faz todos os dias? Ele está a ladrar de manhã à noite. Não deixa ninguém no hotel sossegar!», explica-lhe a minha Mãe num tom demasiado simpático. «E o que é que quer que eu lhe faça?» Pergunta tão estúpida. Assim de repente, estou-me a lembrar de milhentas coisas que poderias fazer ao dito e nenhuma delas é dar cabo dos meus ouvidos. «Sabe», insiste a senhora, «eu ontem tentei levá-lo para a praia...» Quê? Tentou levá-lo para a praia? A mulher está a gozar ou os latidos do cão deram com ela em doida? Não lhe ocorreu que é proibido levar cães para a praia? «... mas o cabo do mar não deixou!» A sério? Olha que surpresa... «E assim tenho de o deixar aqui.» Ao que a minha Mãe respondeu: «E não acha que as outras pessoas têm direito a descansar?» Ao que a senhora responde com uma frase inenarrável: «Descansar? Mas quem é que vem para aqui descansar?» Algarve... Agosto... isto faz soar alguma campaínha nessa cabeça vazia?? Hello??? «As férias não são para descansar!». Agora tenho a certeza: a mulher era louca, tarada, completa e desvairadamente insana. Então a malta farta-se de trabalhar, vem para aqui gozar uns dias de descanso e afinal as férias não são para isso? Bom, cada um com a sua opinião, mas cá fica a prova de que, ao contrário do que eu pensava (e estou certo que muitos de vocês também), nem sempre as férias são para descansar.
Antes de me ir deitar, queria contar-vos que anteontem estive numa festa latina com uns amigos que conheci há pouco tempo. Eu a pensar que seria um concerto ao vivo e sai-me uma grande feira de comes e bebes - mais bebes do que comes -, vendas para todos os gostos e muita salsa à mistura. Uma verdadeira animação com direito a carimbo na mão à entrada, como quando andávamos no liceu. Ainda por cima, eu que, como muitos de vocês sabem, sou extremamente friorento (a Ju, a Elvira e a Fátima sabe-no melhor do que ninguém - «Ó Pedro, tenha lá paciência mas eu vou abrir a janela antes caia para o lado!»), levei uma camisola de algodão porque me tinham dito que a festa era na rua. E não é que, depois de duas semanas de Inverno antecipado (eles cá dizem Outono mas para nós isto é Inverno), o calor chega de noite? E logo em quantidade... Após duas semanas em que o Sol não brilhou uma vez que fosse e toda a gente andava de casaco de Inverno, eis que o Verão decidiu fazer uma rentrée de última hora. Anteontem e hoje o calor continuou sem dar tréguas, mas hoje já um calor desagradável, muito abafado, estão a ver quando está calor mas não há Sol? Pois, é isso mesmo... logo agora que eu estou prestes ir de férias!
Boa noite e boa semana!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Chefe em trânsito

Minha querida Mila, um milhão de desculpas por não ter estado contigo nesta passagem por Portugal mas, como imaginarás, não foi de todo por falta de interesse nem de vontade. Foi mesmo por falta de tempo! Na realidade, só estive em Lisboa três dias que verdadeiramente voaram. Desta vez, apenas tive oportunidade para estar com a minha família. Ainda queria fazer uma série de telefonemas no fim-de-semana, pelos menos sempre conseguia estar mais perto dos amigos mesmo que à distância de uma linha telefónica, só que depois com o stresse de arrumar tudo e a mala que pesava demais (pesa sempre demais) e estar no aeroporto a horas já não consegui. Mas não fiques aborrecida, porque da próxima vez encontramo-nos concerteza! Olha, ainda bem que estou a escrever isto no blogue porque assim todos os meus amigos que o visitam (e espero que sejam muitos, não tenho forma de saber por isso fico sempre feliz quando leio os vossos comentários) ficam também a par e podemo-nos todos encontrar. Agora que as oportunidades para nos vermos ao vivo e em directo são tão poucas, bem podíamos combinar uma almoçarada ou jantarada da próxima vez que for a Lisboa e colocávamos em dia toda a conversa atrasada, que vos parece? Tantos amigos que eu não vejo há tanto tempo, se não fosse trocarmos e-mails e receber os vossos comentários neste blogue sentiria que estive convosco pela última vez há uma eternidade. Ora não me digam que não era uma bela ideia organizarmos um encontro aqui mesmo através do blogue!
Esta semana a minha chefe está em trânsito e eu também, por isso é que decidi atribuir este título à mensagem. Mas cada um está em trânsito por razões diferentes e com consequências desiguais. Eu estou em trânsito porque a meio da semana que vem bazo para férias e, como hão-de imaginar, já não penso noutra coisa e já estou a contar os dias. Ela está em trânsito porque foi de férias esta semana, pelo que acharam boa ideia chamar-me a substituí-la nas diversas reuniões a que tem de comparecer e responder a todas as dúvidas que surgem sobre o que o departamento está a fazer. Já estão a ver a cena, não estão? Pois é, eu que já tinha uma pilha de assuntos para tratar antes do meu adorado congé, agora tenho outra. Ainda por cima uma pilha daquelas assim meio inacessíveis e confusas, porque, como todos sabem, entre as múltiplas e diversificadíssimas tarefas que já tive nos meus oito anteriores empregos (as traduções não contam para a estatística...) nenhuma delas foi reportar acerca do trabalho alheio. Mas, pensando melhor, se fosse tudo sempre igual a malta maçava-se e não tinha nada de novo para contar neste blogue. Aliás, estou em crer que foi mesmo a pensar nisto que a minha chefe e os meus colegas mais graduados decidiram pôr-se a milhas todos ao mesmo tempo. Assim, como diz uma amiga minha, chegam na próxima semana frescos e fofos com imenso para contar e eu também terei imenso para lhes contar. Não sei é se estarei muito fofo mas fresco hei-de estar com toda a certeza porque uns dias depois já terei o pé no avião!
Quem escreveu nos comentários que as férias são para estar de papo para o ar, ou seja, para descansar? Eu na próxima mensagem já vos conto uma cena que ocorreu no Algarve para verem como nem todos acham que as férias são para descansar. Aliás, para algumas pessoas não são nem para descansar nem para deixar os outros descansar! Entretanto, tenho mais um episódio rocambolesco que vale mesmo a pena partilhar convosco. Claro está que envolve médicos novamente mas desta feita não ocorreu só na Bélgica nem se passou só comigo. De tudo isto vos darei conta na próxima mensagem. Até lá!

domingo, 24 de agosto de 2008

Regresso

Olá a todos! Antes de mais, obrigado pelos vossos desejos de boas férias. Espero que também estejam a gozar uns óptimos dias de descanso ou de viagem, conforme os casos.
Eu cá regressei a Bruxelas para encontrar alguma chuva e um frio verdadeiramente desconcertante para esta época do ano. Desconcertante para nós estrangeiros, sobretudo os que vimos do Sul da Europa, habituados a verões dignos desse nome, mesmo que com alguma ventania pelo meio como já sei que tem estado em Lisboa. Para os locais, todo este desconcerto climático é absolutamente normal. Tanto assim é que se espantam com o calor: antes de ir de férias estava um calor realmente estival em Bruxelas, conforme vos contei, e eu, contentíssimo, dizia a uma colega belga: «Espero que seja assim durante todo o Verão, está um tempo óptimo e nem sequer tem chovido». Ao que ela responde estupefacta: «Mas tu já te esqueceste de onde é que estás? Estás na Bélgica! Lá poderá vir um dia ou outro mais soalheiro e mais quente, mas regra geral não é assim». Escusado será dizer que esta semana lhe está a dar razão.
O que vale é que cheguei de duas semanas estupendas em Portugal, a maioria das quais passadas no Algarve. O tempo esteve perfeito, nem demasiado quente nem fresco, logo ideal para estar na praia, sobretudo para quem gosta de dormir de manhã e depois chega à praia àquela hora a que todos os médicos e outras pessoas de bom senso recomendam que não se esteja lá: por volta das onze e meia ou do meio-dia, precisamente quando o calor aperta mais, que para frio já basta o que passo aqui. A propósito de frio, a água estava completamente gelada, esqueceram-se de ligar o aquecimento todos os dias, o que devia dar direito a reclamação, que a malta está a contar com banhos de sol e banhos de mar mas acaba por dar alguns mergulhos - rápidos mas nada fáceis - só para depois poder aproveitar devidamente o sol. Como habitualmente, estive com a minha família em Armação de Pêra, que é aquele sítio do Algarve de onde toda a gente foge excepto quem vai para lá desde sempre, como é o meu caso, e adora ter a praia quase em frente a casa.
Não posso dizer que venha particularmente bronzeado, o que obviamente se compreende se tivermos em conta a hora a que ia para a praia. Mas, como diz a minha tia e bem, o bronzeado muito carregado já passou de moda e dado que vamos para a idade, todos os cuidados são poucos, porque os radicais livres dão cabo não sei do quê e provocam envelhecimento da pele. Sim, porque ao contrário daquilo que eu pensava, no ano que vem terei mesmo 30 anos!! Pois é, amiga Fatinha, eu realmente estava muito longe de pensar na coisa e muito menos de ter consciência dela. Sinceramente achei que o dentista estava parvo de todo, mas afinal quem andava baralhado era eu. Ainda bem que as minhas aventuras pelo maravilhoso mundo dos cuidados de saúde belgas lhe deram para rir, se não servirem para me pôr melhor ao menos já serviram para dar umas gargalhadas. Aliás, esta semana julguei que iria aqui dar conta de mais alguns disparates, pois fui a um médico especializado em problemas de sono. Porém, surpresa das surpresas, a coisa saiu melhor do que a encomenda, lá estive quase uma hora a responder a uma bateria de perguntas tipo interrogatório da polícia e o senhor até disse que o meu Francês era perfeito. Obviamente já tinha perguntado de antemão como é se diz «comprimidos para dormir» e «adormecer», mas o que interessa é que sobrevivi às perguntas e ninguém me pôs as mãos na boca sem luvas!
Depois de duas semanas de perfeito descanso, trago uma mão-cheia de sugestões literárias para vocês e, desta feita, para todos os gostos. Recordação Perigosa, da Mary Higgins Clark, é uma acelerada história de suspense em torno de uma mulher que descobre que o marido é sonâmbulo precisamente na altura em que uma série de homicídios ocorrem na cidade onde vive. Tal como em outros livros da autora, ora é contado na terceira ora na primeira pessoa, o que torna a narrativa ainda mais aliciante. Lamentavelmente, a editora traduziu o título inglês I Heard That Song Before por Recordação Perigosa, o que é particularmente absurdo porque o título original é uma frase tirada do romance e da maior importância no desenrolar da história. Despachei este livro num ápice e voltei-me para O Perfume, de Patrick Süskind, que me foi recomendado há muitos anos pela Patrícia e pela Sara e é um best-seller internacional já adaptado ao cinema. Intrigante, misterioso e fora do comum, está cheio de descrições pormenorizadas de aromas apurados. Depois, optei por algo mais entusiasmante e li A Ameaça, no original Whiteout, um thriller de Ken Follet, um britânico que escreveu numerosos êxitos entre os quais Os Pilares da Terra. Este recomendo vivamente, mas, a ser possível, sugiro a versão original. Não sei se é por ter feito traduções no passado, mas tornei-me particularmente sensível a traduções mal feitas e a erros inadmissíveis, como trocar sistematicamente os nomes dos personagens. Trocas e baldrocas que são uma especialidade da Margarida Rebelo Pinto, que altera pormenores da vida dos personagens conforme o capítulo. Tudo acontece em Português Suave, um livro sem grande qualidade mas extraordinariamente bem vendido: a capa é irresistível, com uma lindíssima vista do Tamariz de outros tempos, a síntese na capa parece prometedora e a da badana também. Foi tudo isto que me levou a comprá-lo. Só que depois gasta-se o dinheiro, lê-se o livro e chega-se à conclusão de que frustra qualquer expectativa; como dizia um dos meus professores de marketing, a promessa do produto não está minimamente à altura do dito cujo. E é uma pena, porque a ideia de base é interessante e o romance poderia ser riquíssimo. Pretende contar a história de três gerações de mulheres da mesma família que se rebelam contra os brandos costumes típicos do nosso País, no meio do ambiente idílico do Estoril. Ora aqui estava um belo ponto de partida para um romance interessante. Só que o dito acaba por tratar não de como as senhoras enfrentam os brandos costumes, mas dos amores desavindos e das desgraças quotidianas da geração mais nova, que ora chora por um homem que não quer ora dorme com o primeiro que lhe aparece, como acontece nos livros anteriores da autora. Aliás, as personagens mais jovens são quase iguais às dos outros romances dela: as mulheres são todas umas tias lindas, elegantes e bem-vestidas que só usam carteiras de marca; os homens são todos altos, umas «brasas» e umas «bombas na cama» - todas as expressões são dela e repetidas até à exaustão. A descrição dos locais e o enquadramento histórico são pobres e triviais, não acrescentada nada ao que já sabemos. Enfim, para ler e deitar fora. Um desperdício, porque esta ideia nas mãos do Miguel Sousa Tavares ou da Rosa Lobato de Faria ou do Domingos Amaral tinha dado um belíssimo romance. Terminada esta leitura, virei-me para a biografia da Hillary Clinton escrita pelo Carl Bernstein que a minha Mãe em boa hora me ofereceu - Uma Mulher no Poder. Um retrato excepcional da mulher que não chegou à Casa Branca como presidente, mas ainda vai ajudar a empurrar o Obama para lá. Ou então ele ainda fica pelo caminho. Uma obra detalhada sem ser aborrecida, rica sem ser repetitiva, crítica mas sempre documentada. Recomendadíssima!
E com estas sugestões me despeço por hoje. Boa semana e até breve.