quinta-feira, 13 de novembro de 2008

À mesa

Já vos contei algumas aventuras que ocorreram na China mas ainda aqui não se abordou devidamente um assunto absolutamente incontornável quando se fala em tal país: a comida.
Comer na China tem muito que se lhe diga e nem sequer me estou a referir à comida em si. Estou a pensar, como é óbvio, nos pauzinhos. Bem podem dizer que a comida chinesa não sabe ao mesmo se não usarmos pauzinhos… Aqui só entre nós, não há nada como os talheres, essa invenção de excepcional utilidade que transformou o acto de comer de coisa bárbara e alarve num momento de prazer gastronómico. Ora os chineses devem estar algures entre estas duas fases, porque não só nos dão pauzinhos como uma colher de louça. O que, já se vê, é extraordinariamente útil, porque, além de servir para comer a sopa, dá para empurrar os alimentos para a dita cuja e assim evitar que fiquemos a olhar para eles como boi para palácio. Neste aspecto, ficamos, pois, completamente descansados. Aliás, basta ir aqui à cantina para ver que há muito boa gente a comer só com o garfo, por isso por que é que não se há-de comer só com a colher e dois belíssimos pauzinhos?
Quem for à China também poderá ficar descansado se almoçar e jantar sempre e só onde a agência de viagens o levar e, já agora, se a viagem incluir todas as refeições. Digo-vos isto porque na generalidade dos restaurantes aonde fomos em grupo a comida era muito semelhante à comida chinesa que comemos em Portugal, com a desagradável diferença de que as doses tinham dimensões muito mais reduzidas. Na mesa, que era sempre redonda e onde havia sempre uma parte giratório no centro, os pratos eram sempre numerosos. As quantidades que lá estavam dentro é que não. E a sobremesa, então, nem sei que vos diga. Era sempre melancia, à razão de um terço de fatia por pessoa. Como diziam alguns viajantes, não era para comer, era para lavar os dentes…
Mas ir apenas aos restaurantes onde as agências nos levam não tem piada nenhuma. Aliás, fazer apenas o que eles dizem é uma seca brutal, de modo que a malta, que é revolucionária e curiosa por natureza e já tem muita tarimba neste sector das viagens, está sempre pronta a explorar novos caminhos! Às vezes o resultado não é o melhor, mas nada que nos intimide. O problema principal é que em nenhum restaurante se fala Inglês. Ou, de outro ponto de vista, nenhum de nós falava Chinês. Tudo isto levou quatro turistas a passarem mais de meia hora à mesa em Guilin, a olhar para um enorme buffet com olhos de gula e rodeados por uma dúzia de empregados a tentarem articular qualquer coisa. É que eles, além de não falarem Inglês, ou não percebem ou fingem que não percebem que nós não percebemos e, assim, continuam a falar. Mais: chamam os colegas, que por sua vez chamam outros, que chamam ainda outros, numa vã tentativa de se fazer entender. Com todas estas almas orientais em torno de nós e votados à ignorância face ao que diziam, lá apontámos para o bife mais fotogénico da ementa, sempre a invejar o dimensionado buffet no centro do restaurante. Já o bife ia a meio quando finalmente uma guia que estava noutra mesa nos interrompe simpaticamente em Inglês: «O empregado só vos queria dizer que podem comer tudo o que quiserem do buffet chinês, não pagam mais». Ó minha amiga, nem se pensa duas vezes. Escusado será dizer que do bife nem mais um naco marchou…
A propósito de bife, importa realçar que nem sempre o que conhecemos é de fiar. Em Xangai, decidimos pela primeira vez provar o que eles designam por «comida ocidental»: entrámos num restaurante aparentado a pizzaria, onde, como convém, até havia pizzas e aventuramo-nos numa Quatro Estações. Não é preciso ser nenhum especialista em cozinha italiana para saber que esta pizza leva ingredientes diferentes, cada um dos quais está, regra geral, disposto num quarto da pizza. No entendimento chinês, a Quatro Estações só tem tal nome para enfeite, porque também poderia ser Oito Estações ou até dezasseis. É tudo uma questão de imaginação. Afinal tudo quanto estava à mão na cozinha se espalhou lá por cima: camarão, mexilhões, fiambre, atum, lula, ananás, cogumelos, azeitonas, carne picada, brócolos, couve-flor e o mais que vos possa passar pela cabeça. Mas se é verdade que o que conhecemos nem sempre merece confiança, já o desconhecido pode ser muito apetitoso. Em Xian, a opção quase unânime foi pela carne de aves, mas houve uma destemida que se inclinou para as pernas de rã. E adivinhem lá quem acertou? Efectivamente, as pernas de rã eram deliciosas, além de serem precedidas de sopa e seguidas de sobremesa. Quem se ficou pelos pratos habituais, não teve direito a mais!
Mas o melhor da história, em termos gastronómicos, ainda está por contar. Era uma vez um grupo de quatro turistas com tendências independentistas que decidiu jantar na zona típica de Guilin. Nessa noite, porém, vários outros viajantes do grupo se lhes juntaram e lá foram todos em demanda de uma mesa adequada, que encontraram em plena rua. Visto o menu à lupa, este vosso amigo achou logo por bem provar um prato que nunca tinha provado antes: pombo. Já o resto do grupo optou pelo porco doce. Só que, como diz a minha tia desde que jantou no Planet Hollywood, já não se pode confiar no frango, uma coisa tão honesta que se podia comer em qualquer lado porque era sempre igual. Desta vez, perdeu-se a confiança no porco doce. Em lugar do porco que conhecemos dos restaurantes chineses da nossa terra, surgiu uma dúzia de fatias de entremeada do mais gorduroso que possam imaginar, acompanhadas de várias dúzias de amendoins… Razão tinha eu ao escolher o pombo, que se apresentou à mesa de cabeça e tudo, para que não restassem dúvidas de que era quem dizia ser. Sim, pegaram no bichano por inteiro, assim o assaram e assado o puseram no prato. Surpreendente!
Já estou de malas aviadas para vos ir visitar. Hoje a cena habitual da mala que demora a noite toda a fazer não se repetiu, de modo que tudo está a postos para seguir viagem rumo a… Lisboa! Até já!

1 comentário:

MGF disse...

Parabéns Pedruco!

Espero que tenhas tido um óptimo dia. Temos mesmo de falar!

Grande abraço,
Manel Gil Fernandes