quinta-feira, 31 de julho de 2008

O senhor no ano que vem terá 30 anos...

... disse-me o dentista esta semana. E vem mesmo a propósito falar aqui de dentistas, porque, tanto quanto me recordo, ainda não vos contei das minhas aventuras pelo maravilhoso mundo dos médicos belgas. Um verdadeiro carrossel de emoções. Ora comecemos pela dermatologista...
Há uns dois meses, estava eu posto em sossego a limpar os pés à saída do duche, quando me deparo com várias manchas encarnadas e a pele dos dedos dos pés a descascar. Resposta pronta: com esta bodega desta água hipercalcária, a pele seca até dizer basta, depois dá nisto. A culpa é toda da água, mas como é que se admite que num país desenvolvido a água seja tão pouco tratada ou mal tratada ou lá o que for a ponto de secar a pele drasticamente. Descarregando a culpa sobre a pobre da água, achei que o problema se resolvia com creme hidratante, daquele que há agora especificamente para pés e até tem um vago aroma de laranja, e vai disto. Toca a pôr creme como se não houvesse amanhã. Mas as manchas lá continuavam, por isso toma com mais creme. Até que ocorreu à minha Mãe, que estava de visita e como sempre pensa nas coisas com todos os neurónios, que talvez o mal não fosse da água, visto que não tinha manchas no resto do corpo, e que talvez devesse consultar um dermatologista. A água é de facto extremamente calcária e quase dá conta da pele se não pusermos creme, mas a tanto não chegaria realmente. Assim decidi dar a mão à palmatória e lá fui à dermatologista. A clínica com muito bom aspecto, atenderam-me a horas, tudo muito bonito até que foi preciso explicar à senhora o que me trazia por ali. Em Francês. Agora é que são elas. Ora eu tinhas manchas, em Inglês stains, bem tentei mas nada, porque ela de Inglês não pescava palavra. Passados cinco minutos de esforços vãos para comunicar, tipo cinema mudo, a senhora optou pela via pragmática: «Então e se me mostrasse?» Assim fiz. Ora as manchas chamam-se tâches, óptimo, mais uma coisa que eu aprendi. O pior foi quando a senhora me disse que eu também tinha champignons. Champignons? Então mas champignons são cogumelos, olha a mulher deve estar é parva, agora cogumelos nos pés, que jeito. E ela repetia, «oui vous avez des champignons», e tornava a insistir e eu cada vez mais à nora, sempre a perguntar «mas que vem a ser isso?» «Fungos», responde ela por fim. «Ah, podia ter começado por aí». Voltei da consulta não com um mas com dois novos vocábulos aprendidos e tenho a dizer que, em três semanas e graças ao tratamento prescrito, todos os males desapareceram. A senhora ficou tão feliz que até exclamou: «Je suis très content de vos pieds». Olha que porreiro, a mulher ficou feliz pelos meus pés, que coisa simpática de se dizer a uns pés. Eles também ficaram contentes certamente.
Esta semana a experiência foi um pouco diferente. Decidi ir ao dentista porque, como alguns de vocês sabem, usei aparelho há alguns anos nos dentes inferiores e queria usar também na parte superior, aproveitando a apregoada qualidade dos tratamentos dentários belgas, tão afamados pela qualidade e pelo preço que vêm pessoas da Holanda e da Alemanha exclusivamente para tratar a dentadura aqui. Pois então vamos a isto. Desta feita, a cena começou logo ao telefone com o senhor a perguntar-me quem me tinha enviado para ele. Ninguém! «Ninguém me recomendou?» «Não». Então mas isto é o dentista ou é o astrólogo? Que eu saiba, só os médicos muito concorridos é que aceitam doentes apenas por indicação de outrem e, como eu constatei, não era propriamente o caso. Lá expliquei ao senhor que moro aqui perto, passei à porta dele e vi a tabuleta e decidi ligar, tudo coisas que me parecem normais, sobretudo porque não sou de cá e não conheço dentistas. Está bem, venha lá e lá fui. Quando toco à campainha, o senhor vem-me receber com toda a simpatia e eu vejo logo que ali não há secretárias nem assistentes como na minha dentista de Lisboa. Até aqui tudo bem. Em seguida, pergunta-me que queixas tenho, tal como a outra, e faz-me seguir para a cadeira e abrir a boca. De imediato, disparam todos os alarmes que há no meu cérebro: o homem não tem luvas! Repito: não tem luvas!!! Luvas, uma coisa indispensável a qualquer dentista! Mas o senhor nem vê-las. Com o nojo e o desconforto instalados, pensei que até poderia sair dali com os dentes tratados mas de uma infecção na boca poderia não escapar. Claro está que a primeira coisa que este vosso amigo fez ao chegar ao trabalho foi precisamente... lavar os dentes! Voltando ao consultório, para começo de conversa eu tentei explicar os tratamentos que fiz em Lisboa, culminando na destartarização que me fizeram antes de vir. Ora claro que destartarização se haveria de dizer em Francês détartarisation. Sem reacção. Segunda tentativa: «détartarisation». Nada. Nem sequer um simples «não percebi». Apenas silêncio. Ao que me ocorre dizer: «quitter tartare». «Ah, détartrage!». Pois, isso... Nisto, decidi perguntar ao senhor o que achava de eu tratar os dentes de cima e ele opinou que eu tenho uma boca normal, não é perfeita mas é normal, e os dentes são todos saudáveis. Está bem. Ou estaria, porque a contenda não ficou por aqui.
«Mas sabe, o senhor tem dentes a mais na boca, por isso é natural que uns pressionem os outros, porque não têm espaço». Quê? Dentes a mais? Ai o homem está de todo, olha agora dentes a mais, que disparate de conversa é esta? Mas onde é que eu me vim meter? «Eu só tenho os meus dentes normais», respondi eu como quem diz «não acrescentei nenhuns». «Claro, mas não é muito comum pessoas da sua idade terem toda a dentição, ao longo da vida por uma razão ou outra tiveram de tirar dentes». Ah, percebi. «De qualquer forma, o senhor tem de pensar que para o ano que vem terá 30 anos e que, sendo ainda tão jovem, não há-de querer que os dentes se entortem ao longo da vida». Pára tudo! Esta agora foi demais. Eu para o ano tenho 30 anos? Passou-se mesmo! «Não, eu para ano que vem terei 29». «Não, o senhor disse-me a data de nascimento, ora em 2009 terá 30 anos». «Não senhor, eu tenho 28, como é que para o ano tenho 30?» «Sim, vai ter». Achei que não valia a pena insistir, rotulei o senhor de tonto, paguei e pus-me a milhas porque, assim como assim, a consulta estava terminada. Fiquei pessimamente impressionado, um dentista que nem sequer usa luvas - LUVAS! - e ainda tem a lata de se enganar a fazer contas. Durou a ilusão até chegar a casa e contar a cena à minha Mãe. Como sempre a raciocinar com todos os neurónios e mais alguns e sem necessitar de fazer contas, diz-me de imediato: «Olha lá, então tu para o ano não vais fazer 30?» «Não! Eu? Claro que não!» «Então este ano não vais fazer 29?» «Ah, vou». «Pois, então para o ano farás 30 anos!! Lógico! Daaahhhh.....» O senhor afinal tinha toda a razão. Para o ano entrarei nos trinta... Mas nada disso desculpa a falta das luvas, está bem???!!!
Meus amigos, este blogue e o seu autor desejam-vos umas óptimas férias, porque os próprios também estão de malas aviadas... para casa! Estarei, pois, ausente durante algum tempo, retemperando forças e, quem sabe, juntando algumas histórias para aqui partilhar. Esperando encontrar em Portugal um tempo tão agradável e um Sol tão luminoso como a cor que dei a estas letras. Como se diz por cá, estarei en congé!

domingo, 27 de julho de 2008

Finalmente o Verão!

Depois de algumas semanas de puro desalento, pensando que aqui não existia Verão e - pior! - que daqui em diante teria de conviver com esta fria e chuvosa realidade por não sei quanto tempo mais, eis que o calor estival chegou finalmente a Bruxelas. Uma entrada em grande estilo, com os termómetros a aproximarem-se dos 30 graus. Parece que amanhã choverá novamente e durante o resto da semana voltaremos ao cenário do ora agora desponta o sol, agora agora chove e faz frio. Mas o fim de semana, pelo menos, salvou-se do mau tempo e foi altamente utilizado para descansar.
Como efectivamente o bom tempo não é o forte de Bruxelas, de cada vez que o sol espreita com maior intensidade, as esplanadas nascem como cogumelos e o pessoal ruma para os parques e jardins como quem vai para a praia. Digo-vos eu que vi: pessoal em fato de banho e deitado na relva por cima da toalha, da mesma forma que nós pomos a toalha de praia sobre a areia. Só faltava o mar do Algarve ou o rio da nossa Lisboa, mas quem não tem cão caça com gato, por isso inventaram uma espécie de praia artificial chamada Bruxelles les Bains, que inclui bancos de areia, esplanadas da Provença (diz a publicidade, eu não sei que não fui lá verificar, mas esta é mesmo muito boa), palmeiras tropicais e um ambiente digno de Copacabana no seu melhor. Reservo as minhas dúvidas sobre a semelhança com a belíssima paria de Copacabana, mas a iniciativa é de saudar: afinal procura-se oferecer a uma cidade um cheirinho daquilo que, por conta da geografia, nunca poderá ter - praia!
Já perceberam pelo andar da carruagem que não visitei a praia artificial mas, em compensação, fui a dois parques excepcionais, que aqui vos mostro. O primeiro é o Parc du Cinquentenaire, a que eu ainda não tinha ido desde que aqui estou, e é verdadeiramente uma maravilha: um oásis verde e espaçoso no meio de uma área particularmente densa de betão, a uns escassos metros dos edifícios-sede do Conselho e da Comissão Europeia.






As fotografias, como já sabem, foram tiradas com o telemóvel e, como tal, não serão da melhor qualidade, mas dá para ver que, sim senhor, o parque é realmente espaçoso e lá está o pessoal espojado sobre a relva. Ao fundo avista-se um arco do triunfo, que celebra os 50 anos da independência da Bélgica, aliás, que pretendia celebrar os 50 anos da independência da Bélgica em 1880. Mas, claro, do querer ao fazer vai uma grande distância, ainda por cima recordem-se de que apesar de estarmos no século XIX, mas continuamos na Bélgica. Vamos lá pôr isto em pratos limpos. Originalmente, a intenção até era boa: o rei Leopoldo II queria organizar uma exposição internacional em Bruxelas em 1880 para comemorar o 50.º aniversário da independência. Aproveitando que a colónia do Congo lhe fornecia uns trocos jeitosos, decidiu usar parte da fortuna para renovar Bruxelas e torná-la uma cidade imponente à imagem das grandes capitais europeias, mostrando ao mesmo tempo a prosperidade da Bélgica e a vontade de reencontrar o seu lugar entre as mais importantes nações da Europa. O monumento em si pretende simbolizar o passado glorioso de Bruxelas. Até aqui estava tudo bem. O problema é que, no século XIX, o rei nunca poderia ter ouvido falar da Casa da Música. Nem das obras do metro no Terreiro do Paço. Muito menos da Ponte Europa, que teve uma derrapagem orçamental tão grande que até já nem se chama Europa. Desconhecia, pois, o enorme manancial de conhecimento que Portugal tem para partilhar em matéria de obras que incomodam toda a gente, resultam num inacreditável gasto de dinheiro e demoram uma eternidade - em suma, ignorava a fabulosa expressão «obras de Santa Engrácia». Ignorando estes factos, todos eles da maior relevância, o rei lá mandou erguer o arco, mas tal como a Casa da Música, a exposição de 1880 decorreu sem que o arco estivesse construído. Depois, para não parecer que é só de hoje, andou de candeias às avessas com o governo, que achava que o arco era um dispêndio colossal de dinheiro - ora este governo tinha olho. De modo que o dito cujo acabou por ser concluído apenas 25 anos depois, em 1905. Mas como os aniversários são coisas que tendem a repetir-se todos os anos (vá-se lá saber por quê), não é que o bom do arco ficou pronto mesmo a tempo da celebração dos 75 anos da independência? E até aposto que no fim acabaram todos felizes com uma enorme festarola cheia de fogo de artifício!
Depois de almoço, a visita foi ao Parque de Bruxelas, que tem uma localização privilegiada entre a Rue de la Loi, morada do Parlamento Nacional e da residência do Primeiro-Ministro, e a Place des Palais, onde se encontram o Palácio Real e o Palácio das Academias.


A propósito, ocorre-me agora que me esqueci de vos contar que o Dia Nacional da Bélgica decorreu com a pompa e circunstância que convém, como se não se te tivesse demitido o Primeiro-Ministro apenas uns dias antes. E, pensando bem, porque haveria de ser de outra maneira? Afinal ele demitiu-se, é certo, mas o rei Alberto II, que é mais avisado do que o seu antecessor do arco, não foi de modas e recusou. Não deve ser da escola do tio Sampaio... Assim a festa decorreu como manda a tradição, sob o sol radioso que banhava Bruxelas. Só o Primeiro-Ministro decidiu dar uma facada no protocolo, a ver se era desta que o rei o demitia, e entrou na Catedral pela porta lateral, a pensar que ninguém o apanhava. E se o pensou bem, fê-lo melhor, porque os repórteres só se deram conta da ocorrência quando as câmaras o focaram no interior do templo. De tarde, ao longo da Rue de la Loi, houve uma enorme parada em que todos desfilaram. Começou com o desfile militar, coisa intragável na minha opinião e péssima forma de comemorar o que quer que seja, mas, enfim. Depois tiveram direito a desfilar todos os que assim quiseram. Verdade. Abram alas, minha gente, que a malta quer é desfilar! Eu estava a assistir completamente boquiaberto, pois olhava-se e vinham de lá os bombeiros não sei de onde, em seguida a guarda costeira com os seus barcos atrelados, tudo em enorme animação.
E passaram precisamente junto ao Parlamento Nacional, que podem ver na foto do canto superior direito e à entrada deste parque, que é verdadeiramente encantador com este repuxo enorme e refrescante. Tão encantador que até tem um teatro!
Hoje despeço-me deixando aqui ao lado um vídeo que no outro dia me enviaram por e-mail e que não quis deixar de partilhar convosco. Fui ao YouTube e lá dei com ele: é a incomparável e saudosa Ivone Silva às voltas com o cubo mágico!
Até breve!

domingo, 20 de julho de 2008

A boda

Ao longo destes cinco meses a contar as minhas aventuras neste país (que, apesar de tudo, ainda se mantém um país e como tal foi hoje comemorado), já muito aqui escrevi sobre os encantos e desencantos da Bélgica, as instituições que funcionam e as que não funcionam e as pessoas que só funcionam de quando em vez. Mas nunca aqui falei de uma instituição tão importante como é... o casamento!
Pois hoje vou-vos contar a história da Rachel e do Richard. É uma história absolutamente verídica, por mais que vos possa custar a acreditar. A Rachel, que é uma jóia de pessoa, é minha colega de trabalho e vive com o Richard há vários anos. Apesar de ambos serem irlandeses, trabalham em Bruxelas há longo tempo e têm toda a sua vida aqui estabelecida, pelo que decidiram comprar cá casa. Até aqui tudo bem. Acontece que a Rachel e o Richard gostam muito um do outro e decidiram dar o nó. Perfeito. Só que, como têm casa em Bruxelas, muitos amigos por cá e muita vontade de mostrar a casa bruxelense às famílias de ambos os lados, decidiram casar... em Bruxelas! Ora agora é que a porca torce o rabo. Como eu costumo escrever, estava tudo a correr bem, e era tudo muito lindo e andavam os dois felizes da vida a preparar a boda quando a Rachel descobre que... tem uma vida dupla. A propósito dos documentos da boda, a Rachel vai à commune certificar-se de que todos os documentos necessários chegaram da Irlanda e de que os restantes estão em conformidade com a lei - para que depois, como diríamos em Portugal e não sei se ocorre aqui, possam decorrer os banhos. Mas quem levou com uma banhada e das grandes foi a Rachel. Pediu para verificarem o seu processo e descobriu, de um momento para o outro, que não se chamava Rachel Candle como sempre pensou mas Rachel Carrot, como se de uma cenoura se tratasse. Da mesma maneira, aberto o processo do marido, verificou que o dito não dava pelo nome de Richard Croft, como sempre o conheceu e o próprio sempre se conheceu a si mesmo, mas Richard Crown, como quem traz uma coroa na cabeça. «Não, eu não sou essa e o meu namorado não é esse», diz a Rachel em desespero. «São, são, estou aqui a ver o vosso processo e condiz. Então não se vão casar neste dia?» «Vamos». «Neste sítio?» «Sim». «Pronto, então está tudo bem»...
Como se ainda não bastasse, a Rachel lá tentava estoicamente convencer o funcionário da comuna do enorme desacerto que reinava naqueles processos quando o senhor pergunta de rompante: «Olhe, e os meninos?» «Os meninos, quais meninos?» «As suas crianças» «As minhas crianças???!!! Mas eu não tenho crianças!!!» «Não tem? Claro que tem, estão aqui no meio do processo, um rapaz e uma rapariga!». Pára tudo: de um momento para o outro, graças à extraordinária organização da comuna onde reside, a Rachel ganhou uma vida dupla e daquelas bem recheadas. Não é quem pensava ser, vai casar com um homem que não conhece e, sem saber como, é mãe de duas criancinhas maravilhosas. «Eu nunca tive filhos e o meu namorado também não!», exclama a Rachel em absoluto estado de choque. «Não é o que consta aqui!», responde o funcionário muito convicto. Após alguns minutos de pura loucura, a Rachel resolve pedir os processos e vasculhar os ditos cujos. Assim descobre que os processos são de facto o dela e o do namorado apesar de se terem enganado nos apelidos, mas os filhos são filhos de outros, porque os nomes dos pais, como era de esperar, não condizem com os da Rachel e do Richard. E assim se resolveu o imbróglio pré-matrimonial. Ficámos sem saber quem são os progenitores destas pobres crianças envolvidas num casamento alheio, mas, pelo menos, a Rachel e o Richard podem casar em paz e, quando acharem oportuno, terem os seus próprios filhos e não aqueles que a comuna lhes dava já de bandeja antes mesmo de o casamento ter lugar.
Como diria o saudoso Fernando Pessa, e esta hem?

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Temporal

O tempo voa, diz o provérbio e com toda a razão. Parece que foi ontem, mas já aqui estou há cinco meses! Cinco meses e três dias, para ser mais preciso. E neste preciso momento, sinto-me literalmente preso no meio do Outono: já sei que em Portugal está um calor imenso, com um sol abrasador e 36 graus, disse-me hoje a Carol, mas aqui passou-se automaticamente da Primavera para o Outono. O Verão esqueceu-se de passar por esta terra ou está atrasado vários meses. Está frio, chove, o céu está nublado e isto há uma semana e meia. O pessoal dos países mediterrânicos já conta os dias que faltam para as férias, esperemos que com tempo apropriado para a estação. Se calhar, isto é tudo culpa da mudança do clima e, como este é um país avançado, a mudança climática já deve estar numa fase mais adiantada, tanto que pelo caminho já se perdeu o Verão.
No entanto, alheia a qualquer temporal de cariz climatérico, a Bélgica está outra vez virada do avesso a contas com um temporal político. Já vos contei noutro post que estrutura política deste reino é altamente confusa, porque há duas comunidades que não se entendem. Pois esta semana o primeiro-ministro decidiu demitir-se e agora é que ninguém se entende mesmo, anda tudo a caminho do palácio do Rei, segundo noticiaram no telejornal. Que deve concerteza ser óptima pessoa, pois ele recebe o governo, os partidos, as associações patronais, os sindicatos... por este andar se calhar amanhã telefono para lá a ver se também me quer receber a mim. Sim, porque analisar toda esta imensa e complexa problemática do ponto de vista de um estrangeiro podia ser do maior interesse. Já pensaram bem? Quem sabe se não me ocorreria ali mesmo, na presença de Sua Majestade, uma solução nunca antes imaginada que salvasse a Bélgica deste turbilhão? E se não me ocorresse nada, tant pis, como se diz aqui, também não fazia grande mal, porque assim como assim o caldo já está entornado.
É interessante ouvir as notícias, porque quando os jornalistas falam parece que estão a referir-se a outra qualquer realidade: então cabe na cabeça de alguém com sentido prático e tento no dinheiro que haja vários ministros-presidentes, um para cada região? Pois, porque há três comunidades, a francófona, a flamenga e a germânica, e cada uma tem seu ministro-presidente, o seu governo e o seu parlamento. E depois, para conciliar isto tudo ou talvez não, há um parlamento federal e um governo federal. Quando ouço o noticiário, parece que estou assim num país grande, tipo Espanha ou Alemanha, com aquelas regiões todas e muitos milhões de habitantes, mas depois desço à terra e continuo num território menor do que Portugal e com poucos mais habitantes. Estranho, não é? À conta disto, ouvir as notícias é mais ou menos como ver um jogo do empurra: numa região dizem que o problema se deve solucionar a nível federal, quem trabalha ea este nível responde que o problema é regional e assim ficam as coisas por resolver. Bem vistas as coisas, não é muito diferente da política à portuguesa, pois não? Esta de empurrar responsabilidades de uns para os outros nós, que não temos estas divisões complicadas, também conhecemos bem: é culpa deles porque eles é que estiveram no governo antes, não, é mas é culpa do governo, que está a governar agora, não, não, o governo não tem culpa então com a situação que herdou o que é que podia fazer? Afinal parece que já ouvi esta cantiga algures.
Por curiosidade, todo este turbilhão político ocorre nas vésperas do 21 de Julho, que é o Dia Nacional da Bélgica. Veremos como o vão comemorar. Estarei atento para vos reportar!

domingo, 13 de julho de 2008

Dentro do átomo...

... bom, não foi propriamente num átomo que eu entrei ontem, mas sim no Atomium, um dos símbolos mais conhecidos de Bruxelas.
Deu-me agora para aproveitar os fins-de-semana para conhecer melhor a cidade, como se fosse um turista, de mapa na mão e tudo, só que com residência fixa. E decidi começar precisamente pelo Atomium, uma estrutura de 102 metros de altura, concebida pelo arquitecto André Waterkeyn para a Exposição Universal de Bruxelas em 1958. O Atomium representa um átomo de ferro ampliado 165 000 milhões de vezes e é composto por nove esferas de aço com 18 metros de diâmetro, ligadas entre si por tubos, dando a ideia de um cubo. Se ficaram mais ou menos na mesma com esta descrição, pois nada como olhar para o canto superior direito para ficarem a saber do que estou a falar. O Atomium situa-se na zona de Heysel, próximo do Palácio de Laeken (onde vive o rei... olhem lá se ele quis morar em Bruxelas), que foi requalificada para receber a exposição de 1935 e que, 23 anos, depois voltou a receber uma exposição de nível internacional, desta feita com mais 50 hectares à disposição de 40 milhões de visitantes, o dobro da anterior mostra. Esta da requalificação faz-me lembrar a Expo, que abriu faz agora dez anos, e que também implicou requalificações e renovações e reabilitações e outros termos modernos que os nossos políticos adoram. O certo é que o dito Atomium era para ir abaixo com o resto da exposição mas, tal como o nosso Padrão dos Descobrimentos anos antes, conseguiu sobreviver e tornou-se num dos maiores ícones de Bruxelas.
Digo-vos eu que vale a pena ver: aqueles tubos que vêm na fotografia têm escadas rolantes, de modo que se anda a passear pelas bolas. Ainda por cima, por ocasião dos 50 anos da exposição, está patente uma exposição alusiva à dita, com cartazes da época, vídeos e fotografias que mostram como a exposição foi planeada e como decorreu. Exposição esta tão bem conseguida que não falta um enquadramento que me permitiu conhecer um pouco melhor a história da Bélgica.
No meio da estrutura, há um elevador que permite subir ao topo à velocidade de 5 metros por segundo, o que era uma coisa para lá de acelerada na época. Hoje já não surpreende ninguém, o que surpreende e muito é a magnífica vista que se tem do topo sobre a área circundante:





De 1958 até hoje muita coisa mudou em Heysel e o Atomium não ficou sozinho. Em seu torno surgiram o centro de congressos EXPO (à esquerda), um estádio de futebol (inevitável), o Kinepolis (um gigantesco complexo com mais de vinte salas de cinema, que podem ver na fotografia do centro, é uma coisa branca) e o Bruparck (à direita). Esta parque integra uma vilazinha a imitar Bruxelas, com restaurantes e carrosséis, a Mini-Europa, que apresenta miniaturas dos principais monumentos europeus, e o Océade, que é um recinto de escorregas aquáticos. Dizem na publicidade que à temperatura permanente de 28 graus...
Por acaso, logo neste dia em que decidi visitar o Atomium, algo de extraordinário se passava. Como podem ver na imagem abaixo, a coisa é alta. Alta. Tem 102 metros de altura. 102 metros. Então não é que deu a uns malucos para se atirarem lá de cima, presos por dois cabos e aterrarem mesmo em frente do Atomium? Pois isto é que é coragem e isto deve ser adrenalina, quase me deu vontade de fazer a mesma coisa! Estão a ver um pontinho preto no meio das nuvens na fotografia da direita? É precisamente um dos saltadores, não consegui fotografar mais de perto, mas aqui fica o registo.





De volta a Bruxelas, decidi que também estava a precisar de alguma acção, mas contento-me com a do grande ecrã. Por isso, fui ver o quarto Indiana Jones, um filme cheio de aventura à boa maneira dos capítulos anteriores. O final é um tanto quanto dispensável, mas prefiro não comentar para não estragar a surpresa de quem ainda não viu. Vão ver, que eu recomendo!

Um cheirinho de Lisboa... em Bruxelas

Esta Sexta-feira trouxe um cheirinho muito peculiar da nossa querida Lisboa a esta Bruxelas multi-cultural.
Tudo porque, após seis anos de obras, inauguraram a Place Flagey, que está no centro de uma zona onde vivem muitos emigrantes com particular destaque para uma enorme comunidade portuguesa. Segundo o que apurei de várias fontes, foi a área de Bruxelas onde os primeiros contingentes de Portugueses que para aqui vieram assentaram arraiais, na década de 60, muito antes de outros virem para trabalhar nas instituições europeias. Ora, também segundo as minhas fontes bem informadas, a dita praça esteve em obras seis anos por conta dos ventos que dificultam os trabalhos, ainda por cima tratava-se não só de renovar a dita cuja, mas de de construir um parque subterrâneo, coisa ainda por fazer, e outras empreitadas que agora não interessam nada. O que interessa é que a dita cuja foi inaugurada há dias com fogo de artifício e tudo e no meio da praça, numa ampla zona pedestre, plantaram um enorme palco para concertos. E ontem dedicaram o dia à comunidade portuguesa, inauguraram uma rua em honra do Fernando Pessoa e concluíram a jornada com um concerto... da minha cantora favorita... talvez alguns adivinhem, vamos lá fazer um esforço... a Mafalda Arnauth! Foi eu saber que a pequena vinha cá actuar e decidir de imediato que tinha - TINHA - que ir assistir ao concerto, não que eu já não a tenha visto ao vivo duas vezes mas uma oportunidade assim não se perde. Calhou em sorte que dois colegas meus do trabalho gostam imenso de fado e até já foram ouvir a Mariza e a Cristina Branco e disseram logo que também queriam ir.
Pelo meio ainda temi não poder ir, porque nesta terra a palavra «verão» não tem o mesmo significado que em Português e choveu torrencialmente durante esta semana como se estivéssemos em pleno Inverno. E a chuva arrasta um frio outonal, que é do piorio, porque até podia chover mas não arrefecer ou então fazer frio mas não chover. Agora as duas coisas juntas numa altura destas do ano, não dá. Mas o São Pedro interveio na hora certa e a chuva parou a meio da tarde para só voltar ao fim da noite.
De modo que pés ao caminho na direcção da paragem de autocarro, porque o bom do autocarro vai directo para lá, mas qual quê, passa o horário e autocarro nada, passa o horário do seguinte e autocarro nem vê-lo. O que é estranho, porque os autocarros são daquelas coisas que aqui até funcionam bem. Às vezes têm a pouca sorte de ter paragem incerta: a paragem da minha praça já mudou de sítio três vezes em pouco mais de um mês, de maneira que nunca se sabe onde é que o autocarro vai parar exactamente, isto tudo por causa dos trabalhos, sempre os travaux. Que se calhar vão ser assim ao estilo da Place Flagey e também demorar não sei quantos anos, pois eles já puseram passeio de um lado e podia-se passar, depois cobriram o outro lado com terra e não se podia passar, agora é do lado de cá que há terra e já não se pode passar outra vez e, enfim, é quase preciso dar uma volta de 180 graus para ir a um sítio que está mesmo em frente a nós. Bruxelas parece um estaleiro. Voltando ao autocarro, lá estive eu à espera e em desespero meia hora até que dito chegasse, mas ao menos foi directo à tal praça e ainda eu estava a abeirar-me e já via bandeiras portuguesas por todo o lado.
Em menos de nada, encontro os meus amigos, que gostam de fado mas não são portugueses, e começa o concerto. A Mafalda Arnauth entra linda como sempre, com a voz única e a presença charmosa que tem e canta durante hora e meia, para contento dos Portugueses e não só que por ali se tinham juntado. Um verdadeiro encantamento, que é aliás o título de um dos seus discos. No entanto, o concerto foi muito diferente do que já tinha ouvido em Portugal: em vez de cantar os temas que ela própria escreve com poemas excepcionais, manteve o seu estilo tão próprio e tão autêntico, mas optou por fados mais conhecidos, estilo Povo Que Lavas no Rio mais a Casa da Mariquinhas, e foi para os encores com aquela marcha da Lisboa nasceu pertinho do céu em jeito de fado. Sem desprimor para este repertório, eu prefiro os fados dela, que fogem claramente ao estilo mais tradicional, mas acho que preferiu cantar aquilo que a generalidade das pessoas queriam ouvir e assim acertou em cheio. Ainda assim, não faltaram os Meus Lindos Olhos, Eu Vou (fabuloso), La Bohème (que ela canta em versão fado e foi o delírio porque esta toda a gente conhecia), Para Maria e Audácia, que pôs fim ao concerto e que os meus colegas adoraram. Durante todo o espectáculo, a pequena falou sempre em Português e em Francês com uma pronúncia impecável, de onde lhe virá? E sempre com aquela entrega e simultaneamente tranquilidade que só os grandes artistas conseguem. Memorável!
E como eu nunca quero que vos falte nada, mas mesmo nada, aqui fica um dos fados mais bonitos da Mafalda Arnauth, Meus Lindos Olhos. Quem não gostar... tem logo por baixo a Mamma Mia!
Até amanhã.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Passei!

Amigos, este post é só para vos contar o que acabo de saber: passei nas duas últimas cadeiras que me faltavam no mestrado! A parte escolar está feita!!! Graças a um milagre de Deus, que fez com que passasse numa disciplina onde o meu exame nem 8 valia, a coisa está encerrada!!! Agora fica a faltar a tese, mas isso agora não interessa mesmo nada!
Carol e Di, espero que vejam este post, pois aqui fica registada a minha enorme e profunda gratidão. Sem a preciosa ajuda destas duas amigas, nunca teria conseguido fazer o trabalho de uma das disciplinas e, como tal, nunca teria passado. E Parabéns pelos vossos óptimos resultados, que não são mais do que a recompensa pelo trabalho quase hercúleo que tiveram. A bem da verdade, devo dizer que os meus resultados não foram propriamente muito extraordinários, aliás foram tão pouco edificantes que nem merecem ser colocados neste blogue tão digno! Numa disciplina, fui literalmente roubado em 6 valores, que foi a classificação do trabalho, pelo simples facto de não estar presente nas aulas. E na outra, a nota foi o espelho do estado de esgotamento em que cheguei a Lisboa, aliás, pensando bem, foi mais o resultado de uma inspiração que Deus me deu repentinamente quando a minha mente se recusava a trabalhar e a recordar o que quer que fosse, porque sem isso não teria sequer passada, teria raté, como se diz por aqui.
Isto, como vos dizia, não interessa nada, mas é só para avisar a minha amiga Rita, que tem deixado comentários com regularidade e que está fechada em casa envolta no estudo, que não vale a pena matar a nossa preciosa cabeça por causa dos estudos. Faz-se o melhor que se pode, mas nada de exageros, porque voltar a estudar na nossa idade já de si não é lá grande ideia e voltar a estudar como se estivéssemos mesmo na faculdade e aquilo tudo fosse importantíssimo porque ainda não conhecíamos nada do mundo, nem pensar! Mas eu sei perfeitamente que a Rita, que eu conheci precisamente no contexto universitário, é uma pessoa equilibradíssima (não é como eu) e por isso só posso desejar... Boa sorte! Vais ver que tudo correrá pelo melhor!
Ó minha querida anónima que desta vez não me enganas porque eu bem sei quem tu és: então era preciso dizer o preço dos sapatos? Não seja por isso: foram 70 euros, o que tendo em conta que são de uma marca de topo (o que não importa muito) e que sobretudo são um autêntico espectáculo (isto é que importa), não é nada mau! Quanto à torradeira, tens razão, é uma gorda paquiderme, mas o que é que eu podia fazer? Ou comprava uma magra mas comprida, que depois não cabia em lado nenhum, ou uma gorda mas pequena, que ficou ao lado do jarro eléctrico que a minha espanhola me deixou. E da próxima vez, bem te podes identificar que eu já te conheço, porque deixaste na mensagem daquelas marcas que só tu deixas!!
Fatinha, até que enfim um comentário no meu blogue, fico muito contente! (Isto hoje parece uma sessão de perguntas e respostas, mas não posso deixar de agradecer a quem me escreve). Eu já a estou a imaginar a ler em voz alta os meus disparates e a pôr a canção dos Abba em alto e bom som! E até posso apostar (e não devo perder) que, por estas alturas, já foi à Zara fazer aquela habitual compra de camisas por atacado, verdade? Então e agora quem é que lhe dá opinião? Acredite que ainda hoje pensei em vocês e como vocês estariam. Apesar de estar muito satisfeito com o meu trabalho actual e de o ambiente ser excepcional, tenho imensas saudades das nossas gargalhadas!
Até breve!

domingo, 6 de julho de 2008

Mamma Mia!

O prometido é devido e, assim sendo, vamos lá dar conta do que é um dia de compras por Bruxelas!
Excepcionalmente, mas mesmo muito excepcionalmente, e contrariando o que tinha prometido a mim mesmo desde que comecei a estudar para os exames, coloquei o despertador para as dez horas da manhã. O que significa que às onze já estava alimentado e devidamente pronto para uma jornada de shopping com partida no meu bairro e destino na Rue Neuve, que é uma das principais ruas de compras de Bruxelas e a minha preferida, porque tem lojas daquelas em que podemos comprar em vez de ficarmos a olhar para a montra e a pensar que, qualquer crise qual quê, o mundo está é cheio de gente rica que compra fatos de 800 euros e sapatos de 500, como aquelas tontinhas do Sexo e a Cidade. E foi precisamente numa loja onde só há - só mesmo - o que as ditas cujas adoram, roupas de marca, que comecei. Mas, contrariamente ao que acontece com a Carrie e companhia, não era uma loja podre de chique, é um grande outlet que vende roupa, sapatos e acessórios a preços verdadeiramente inacreditáveis. Ainda por cima, tem a enorme vantagem de também fazer saldos, por isso tudo é ainda mais barato do que costuma ser. Assim se adquiriu uma estupenda camisa branca cheia de estampados nas costas, cinzentos e pretos, daquelas que os teenagers usam muito e eu já não tenho idade para usar, mas isso agora não interessa nada. O que interessa é que, depois de sair da loja da roupa, entrei na dos sapatos - sim, porque o dito outlet ocupa praticamente um quarteirão inteiro, de ambos os lados. E de lá saí com uns elegantes sapatos de pele castanha, de atacadores que sempre são mais socialmente correctos, e que estavam marcados a 42 euros. Ora agora digam-me lá onde é que em Lisboa se compram sapatos de homem a este preço? Só mesmo na feira (a ter em conta, mas ouvi dizer que a de Cascais já não existe, uma pena) ou naquelas lojas pirosas qb em que os sapatos parecem de plástico. Mas há mais: não é que chego à caixa e me cobram menos de 30 euros por conta dos saldos?
Tempo para deixar estas compras a descansar em casa, um almoço rápido e agora direito à tal Rue Neuve. Entretanto, a cantiga do costume: era tudo muito bonito, e estava tão bom tempo e eu estava tão feliz e com roupa tão fresca quando começa a chover torrencialmente, porque nesta terra é assim, têm-se várias estações por dia, enfim deve ser um clima muito à frente. Lá consegui chegar molhado mas inteiro à dita rua para comprar a peça mais adequada neste contexto: uma gabardine de Verão, coisa que nunca tive nem achei que me fizesse falta, mas agora que vivo numa cidade onde o tempo muda num abrir e fechar de olhos, lá teve de ser. Já agora aproveitou-se para adicionar uma camisa para substituir uma das minhas favoritas, proveniente precisamente da feira de Cascais e que já cumpriu a sua missão. Faltava agora o quê? Pois comprar qualquer coisa para a casa, sobretudo aquela coisa que eu adoro ao fim de semana e da qual tenho estado privado desde que cheguei aqui: uma magnífica torradeira! Da marca mais branca que havia, tão branca tão branca que a própria torradeira é branca, como podem ver na imagem.


Eu não vos disse? Branca e muito barata, estilo Lidl, com a diferença de que a loja não cheirava mal nem era preciso revolver em montes para encontrar aquele artigo que tem o preço pendurado algures lá em cima e até faz parte do folheto semanal mas não há maneira de dar com ele. Acrescente-se que a loja também não estava tão cheia como o Lidl costuma estar, mas isso é mesmo específico da loja porque todas as outras que visitei não estavam cheias: estavam atulhadas! O outlet tinha filas intermináveis para pagar - coisa demorada em si mesma, porque, à excepção deste vosso amigo, não havia ninguém que não levasse pelo menos quatro peças de roupa e duas caixas de sapatos. O centro comercial idem de cheio, tipo metro na hora de ponta, não havia era pessoal com montes de coisas para pagar, vá-se lá saber por quê... será por causa dos preços? E uma loja de roupa para homem da qual gosto particularmente, a Celio, estava transformada numa espécie de Bershka misturada com a feira de Benfica - para ver o que quer que fosse, era preciso revolver em montanhas de roupa da altura dos Himalaias. O que interessa é que voltei a casa armado com a minha novíssima torradeira que resistiu à primeira utilização e se portou lindamente. Voltei mas não sem antes passar novamente pelo outlet... o tal onde tinha começado... para arrematar este estupendo par de ténis da Strelli que podem ver no topo da mensagem. Que me dizem? Ok, mudemos de assunto que isto está a parecer o Sexo e a Cidade em versão masculina e eu nem sequer achei grande piada ao filme.
Falando de filmes, como agora já não tenho obrigações de voltar a casa àquela hora para estudar, nem de me levantar cedo para fazer trabalhos, achei que precisava de descansar desta fatigante actividade e aceitei o convite de uma amiga para ir ao cinema e depois... ao karaoke! Vimos In Bruges, uma suposta história de gangsters realizada por Martin McDonagh com o Colin Farrell, que mais valia lá não estar, e o Brendan Gleeson. Nada que vos recomende: tudo gira à volta de dois mercenários que chegam a Brugges, um gosta e o outro odeia, e têm problemas de consciência com o seu passado de assassinos, e dizem mal da Bélgica e de Brugges em especial. E não se sai daqui. Há algumas passagens divertidas, em que se vê aquela Bélgica menos simpática que já descrevi neste blogue, mas da crítica passa-se rapidamente ao exagero e acaba-se no mau gosto. A única coisa que se consegue reter de quase duas horas de filme é a expressão «f...... Brugges», que era a única maneira como os protagonistas se referiam à cidade. Por acaso, a plateia ria-se a bom rir e eu fiquei na dúvida se seríamos todos estrangeiros ou se haveria alguns belgas a assistir - se assim é, tire-se-lhes o chapéu pela abertura de espírito, porque se nota desde o início que o realizador odeia Brugges e nunca se percebe por quê. Afinal é uma cidade tão bonita!
E do cinema fomos direitos ao bar de karaoke. Amiga Carol, escusas de perguntar se era semelhante ao da nossa Noite das Bruxas porque não tinha nada a ver: era um bar mínimo e apertado, ainda por cima fechado a sete chaves e inundado por um potente cheiro a tabaco - aquele que felizmente já não encontramos em Portugal. Mas, após esta primeira impressão, descobri que era um sítio do mais familiar, toda a gente se conhecia, toda a gente se despedia dos outros na hora de sair (até nos incluíram nas despedidas) e toda a gente... cantava bem. Ora aqui a porca torce o rabo, porque a graça do karaoke é haver imensa malta que canta mal e assim uma pessoa já não se sente envergonhada. Sobretudo quando já interrompi as minhas aulas de canto há meio ano! Mas era realmente só eu quem ficaria mais à vontade, porque a minha amiga foi vê-la agarrar no microfone e vai disto. Eu, para não ficar atrás, resolvi que o melhor era fazermos um dueto: Mamma Mia! Não me perguntem como, mas pusemos o pessoal todo de pé e a dançar...
E como não quero que vos falte nada, aqui fica a dita canção, vinda directamente do filme com o mesmo nome e que é uma adaptação do musical que já passou por Portugal. Apesar de já o ter visto em teatro, estou cheio de curiosidade de ver a versão filmada. E adivinhem lá quem dá voz a esta canção? Nada mais nada menos do que a incomparável Meryl Streep! Cliquem na imagem e liguem o som... Mamma mia, here we go again!!

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A outra Bélgica

Obrigado pelos comentários, fiquei super contente por saber que, apesar de estar estado sem escrever durante tempo demais, não se esqueceram do meu blogue!
Neste intervalo de quase três semanas, muito se passou por aqui para além do que vos contei ontem, incluindo algumas peripécias que me fizeram ver o outro lado da Bélgica, aquele que ainda pouco descrevi neste cantinho. As pessoas simpáticas e prestáveis, que nos atendem sem tentar expulsar-nos da loja simultaneamente, a gastronomia de excelência (ups, acho que disto já falei) a preços acessíveis, a vida nocturna animada e cosmopolita, as zonas comerciais diversificadas e irresistíveis.
Dado que não abundam, comecemos, pois, pelas pessoas simpáticas. Há três semanas, a minha família chegou de visita, aproveitando o 13 de Junho, que foi feriado por aí e dia de trabalho nestas paragens. O que, bem vistas as coisas, é uma autêntico desperdício, porque se as instituições são europeias, então não deveriam importar os feriados de todos os Estados-Membros da União? Cá para mim tem todo o sentido, ora está uma pessoa a trabalhar aqui e é feriado em Portugal ou Espanha ou na Eslovénia e não se pode contactar com colegas de lá, porque lá é feriado. Era muito mais simples se, de cada vez que é feriado em cada um dos países, a malta também não trabalhasse. Parece tão lógico, não sei por que é que ninguém ainda se lembrou de tal coisa. Se o Tratado de Lisboa já estivesse em vigor, o pessoal fazia já uma petição à Comissão Europeia para pedir a alteração da coisa, era só juntar um milhão de assinaturas - coisa pouca, afinal somos mais de 450 milhões, o que é um milhão no meio de tantos? Mas não, já não há petições para ninguém ou pelo menos não tão depressa, porque os irlandeses tinham de ser do contra e votar contra o tratado. Ainda por cima o Tratado de LISBOA. DE LISBOA. Pode? Está-se mesmo a ver que aqueles 50 e tal por cento que chumbaram o dito nunca ouviram falar de Lisboa nem nunca lá puseram os pés, senão sabiam que é uma cidade fabulosa, linda e única e que qualquer tratado que lá se assine é, por contágio, também bom. E assim fica o histórico «Porreiro, pá!» do nosso primeiro-ministro sem qualquer sentido, porque afinal já não é «porreiro, pá», é «e agora, pá?».
Enfim, voltemos à minha família que veio a Bruxelas celebrar antecipadamente o aniversário da minha Avó. Sim, a minha Avó que muitos de vocês conhecem, com os seus esplêndidos 85 anos, entrou num avião pela primeira vez na vida e chegou a minha casa em plena euforia, o que me deixou igualmente eufórico e felicíssimo. Passámos um fim de semana óptimo, visitámos Bruxelas, fizemos compras, comemos moules e gauffres e tudo o resto a que temos direito! Acho que a minha Avó adorou conhecer o novo sítio onde vivo e a minha casa onde afinal todos coubemos lindamente. E eu adorei que ela viesse visitar-me, agradeço à minha Mãe pela enorme paciência de organizar e patrocinar estes dias tão maravilhosos que me deixaram o coração cheio. E à minha Tia, que felizmente também se juntou à festa e foi de cá muito mais tranquila do que da última vez, porque eu agora tenho um escorredor de louça. Só me falta uma torradeira, que conto comprar amanhã. Como sempre nestas minhas histórias, estava tudo a correr muito bem, e era tudo muito bonito e estavam todos a adorar cá estar até que chegou a hora de voltar. E, como a minha Avó já tem uns respeitáveis 85 anos, pedimos no aeroporto que providenciassem um carrinho para a levar à porta de embarque, que o aeroporto de Bruxelas é uma espécie de passadeira rolante gigante que se vê onde começa mas não onde acaba. Cabe notar que em Lisboa pediu-se o transporte no balcão de check-in e foi vê-lo chegar de imediato, mas aqui havia fila. Após alguma espera, o carrinho lá recolheu a minha Avó e a minha Tia, que foi acompanhá-la, mas ninguém se lembrou que, pese à respeitabilidade que emana das duas, inevitavelmente teriam de passar pelo controlo de segurança. Ora aí é que a coisa começou a ficar preta, porque nenhuma fala outra língua senão Português e estão mesmo a ver a minha Avó a achar piada a ser apalpada. Pois, não estão vocês nem estou eu e muito menos ela, que não achou gracinha nenhuma e começou-se a passar, que é uma coisa que a minha Avó sempre fez com grande facilidade. Vai daí a minha Tia tentou ajudar e explicou que ela não falava Português, mas, como também não fala Inglês nem Francês, pôs-se a explicar que ela não fala Português em Português. Estão a ver a cena? Ainda por cima em Bruxelas, com todo aquele contexto pouco simpático que já conhecem dos meus escritos? Pois pasmem-se, porque alguém deve ter percebido e do meio do nada surge uma segurança a falar Português e disposta a ajudar. E assim a minha Avó lá passou a porte do controlo, o imbróglio ficou resolvido e ficamos todos a saber que nem todos os serviços aqui funcionam mal. Alguns, aliás, funcionam tão bem que nos surpreendem quando menos esperamos!
Outra coisa altamente funcional nesta terra e à qual tenho de voltar são os restaurantes. Tal como em Roma se deve ser romano, também em Bruxelas se deve ser bruxellois e assim fomos devorar moules ao restaurante mais bem cotado no género. Uma verdadeira orgia gastronómica é o que vos posso dizer: comida óptima, bem confeccionada e melhor servida. E quanto mais como, mais aprecio esta gastronomia. Além dos mexilhões, outro dos meus pratos típicos favoritos são as endívias gratinadas, enroladas em fiambre e cobertas com imeeeeenso queijo. Só de falar já me está a dar a fome e ainda comi há dez minutos. Claro que no restaurante chique, a conta não foi propriamente lá muito elegante, foi assim mais para o obesa. Mas tenho para mim que, em Portugal, num restaurante de marisco de nível reconhecido, seria ainda mais obesa, tipo obesidade mórbida. Aliás, estou-me agora a lembrar daqueles restaurantes do Guincho, onde costumamos ir na Páscoa, e que não cobram menos de forma alguma. Mais: na semana passada, almocei com a minha chefe e uma colega num restaurante super agradável, este já dentro dos parâmetros normais, e mais uma vez me dei conta de que os preços são mais baratos do que em Lisboa. Lá comi as tais endívias, as minhas colegas comeram um Croque Monsieur, demos conta de todo o pão que havia sobre a mesa (que aqui não cobram) e a conta foi muito... em conta. Ou como dizem por aqui, bon marché.
Só falta contar-vos das lojas mas essa parte guardo para amanhã. Porque amanhã é precisamente dia de compras. E como os saldos começaram no fim de semana passado, não há tempo a perder! Abram alas!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

E depois do stresse...

... o regresso ao blogue!!! Bem nota a minha querida Margarida que há muito não passava por aqui, mais concretamente desde o tempo em que Portugal ganhava jogos no Euro e a comida faltava nos supermercados e estava-se tudo a marimbar, porque, vendo bem as coisas, Portugal estava a ganhar. E que interessava essa cena dos camionistas parados, mais das prateleiras vazias, mais do preço da gasolina que não pára de subir se realmente Portugal estava a ganhar e havia motivo para celebrar? Pois, como dizia a Teresa Guilherme, não interessava nada. Mas entretanto o País disse adeus ao Euro, os supermercados lá foram recompondo as suas fileiras e tudo vai voltando à normalidade. Eu estive em Lisboa de fugida no fim de semana passado e posso testemunhar que tudo parecia correr normalmente, excepto a razão que me levou a estar tanto tempo afastado do blogue, privado da vida habitual de um ser humano e à beira de um ataque de nervos: o último exame do mestrado! Depois da trabalheira que foi estudar à distância para o trabalho de estatística, faltava o malvado exame para quase me liquidar de vez. Isto de trabalhar, estudar, mudar de país, estar o dia todo a falar uma língua que não é a nossa e ainda tomar conta de uma casa dá conta da cabeça de uma pessoa e quase deu cabo da minha. Mas, graças a Deus, ainda aqui estou para vos contar estas agruras, o que significa que bem tentaram mas não conseguiram dar comigo em doido.
Eu explico. Primeiro, o trabalho, que é obviamente muito mais importante do que quaisquer estudos, e tem sido extremamente cansativo e exigente: parece que, de um momento para o outro, a nossa equipa tem de participar em tudo, estar em todos os eventos e fazer um pouco de tudo... ao mesmo tempo! Ele é organizar grupos de trabalho, mais a presença em eventos externos, mais uma actividade para dinamizar equipas e, no meio de tudo isto, calculem que este vosso amigo até já deu formação em comunicação a um grupo de novos colegas! O que vale é que os meus colegas são excepcionais, quer como pessoas, quer como profissionais - não há ninguém que não ajude o outro. E, apesar dos nervos e das correrias, o resultado foi óptimo: até os colegas peritos em formação de outro departamento nos vieram felicitar. Tivemos a enorme sorte de fazer a apresentação para uma assistência fantástica, gente bem disposta, animada e sobretudo muito interessada e motivada. À última hora, sem qualquer plano, até corremos o risco de improvisar um exercício interactivo e compensou: o pessoal alinhou lindamente e não parava de fazer comentários e colocar perguntas. E a verdade é que agora, olhando para trás, tentando imaginar que estaria na plateia e não sobre o palco, penso sinceramente que a nossa sessão de formação - que durou uma tarde inteira!! - correu mesmo sobre rodas. Apesar de só termos tido tempo para ensaiar em conjunto uma vez e de a apresentação ser a seis vozes, pois cada colega falou de um tema diferente, estivemos particularmente bem coordenados. Tenho cá para mim que uma das formandas foi quem melhor descreveu a situação. Disse ela a uma colega minha: «Ao ver a vossa apresentação, nota-se mesmo que a vossa equipa se entende perfeitamente, nota-se que gostam verdadeiramente de trabalhar uns com os outros». E isto por si só já diz tudo.
Tudo isto, obviamente, supôs muito trabalho, muita canseira, mas deste lado as coisas funcionam. Ter mudado de país e trabalhar diariamente numa língua que não é a nossa não é pêra doce, mas também não foi daí que o problema surgiu, ou melhor, talvez tenha contribuído para o estado geral de desatino sem que eu próprio me tenha apercebido, mas não foi certamente o factor mais desatinante. E cuidar de uma casa também não, porque, além de ter a maravilhosa ajuda da minha despachadíssima empregada (a protagonista da cena da vela, essa mesmo), a minha casa é prática, pequena e adorável, como creio que já contei. Pequena como eu, dirão vocês. Pois. Combina bem. Mas, como diz a minha colega da frente, «good things come in small packages»...
O problema estava mesmo noutra frente: o mestrado, palavra que só de pronunciar me provocar náuseas e outras complicações físicas e psicológicas indignas de reportar neste blogue. Pois que isto de estudar à distância é muito bonito à primeira vista, e tem-se o material, e lê-se o dito cujo e vai-se acompanhando, mas não tem graça nenhuma na prática. Arrasa qualquer cérebro, pelo menos, ao meu não trouxe grande felicidade nem deixou saudades. E assim voltamos ao princípio da mensagem, porque agora já conseguem perceber o motivo que me levou a Lisboa no passado fim de semana e que me impediu de «postar» durante tantos dias. Pois tenho a informar que, para o bem ou para o mal, o motivo extinguiu-se, procedi ao seu encerramento faz amanhã uma semana e agora já estou livre e disponível para vos contar mais aventuras deste vosso amigo expatriado na capital da Europa.
Até amanhã!